terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Inteligência Socioambiental

“As empresas vão precisar tomar decisões estratégicas com base na hipótese 
de que as pessoas saberão as conseqüências de tudo o que fazem”
Daniel Goleman

por Alexandre Saioro

Todo o desenvolvimento de uma sociedade tem como objetivo a promoção da felicidade e do bem-estar dos indivíduos que dela participa. Hoje, diante dos conflitos e contradições que estão se manifestando entre a ação humana no planeta e o equilíbrio ecológico, se faz cada vez mais urgente buscar soluções que apontem para um estilo de vida sustentável que promova uma harmonia entre o desenvolvimento social e o equilíbrio ambiental. E isto está exigindo de todos nós, principalmente das elites que ditam a ordem mundial, profundas mudanças na maneira de ver, sentir e pensar nosso mundo. 
 Quando se fala em sustentabilidade, consciência ambiental e consumo consciente, é comum ouvirmos dicas e conselhos do que é preciso mudar em nossos hábitos e atitudes pessoais. Mas o que sinto que falta em todos estes discursos é uma orientação de como se mudam hábitos e atitudes. 
 Como eu mudo meus desejos, condicionamentos e, porque não dizer, vícios? Como eu mudo minha mente autocentrada e insatisfeita que pouco se preocupa com o outro e com o meio ambiente para satisfazer minhas necessidades? 
 Hábitos e atitudes se instalam em nossa mente e coração a partir de nossa constante busca por satisfação e segurança. Portanto, mudar minha relação com a sociedade e o meio ambiente requer trabalhar com estas questões. E como eu faço isto? Como eu posso me sentir mais satisfeito e seguro para não criar mais degradação, conflitos e violência para com o meu próximo e o meio ambiente? 
 Muito se fala em soluções tecnológicas e políticas, mas não se fala em oferecer para o indivíduo um conhecimento interior que estimule nele novas formas de contentamento e bem-estar pessoal, assim como desenvolver empatia e sensibilidade para as necessidades do “outro” - do planeta e todos os seres que nele habita. 
 Apenas saber intelectualmente o que é certo ou errado fazer não basta. Toda mudança em nosso fazer depende de um saber emocional que possa lidar com os impulsos e hábitos emocionais que não obedecem a um simples saber intelectual. Sem esta capacidade facilmente caímos nos mesmos erros ao tentar solucionar os problemas que enfrentamos. E esta capacitação emocional começa com o desenvolvimento de uma mente consciente e pró-ativa capaz de reconhecer sua tendência autocentrada com suas armadilhas reativas que levam a muitas auto-ilusões. 
 Na maior parte do tempo funcionamos no piloto automático, pouco conscientes do que se passa em nossa mente. Reagimos às situações e fazemos escolhas a partir de desejos, crenças e valores que nem sempre achamos ser o correto e que não correspondem à realidade das situações. Movidos por esta mente reativa, não percebemos nossas tendências habituais e condicionamentos para poder mudá-los e, assim, facilmente nos iludimos achando que estamos agindo com liberdade de escolha. Com este tipo de mente acabamos manipulados pelos estímulos que nos chegam e por nossas percepções equivocadas da realidade.
 As vezes acho que todo este movimento atual por uma sociedade sustentável está envolvido com este processo reativo se auto-iludido, pois ele não tem tocado na raiz do problema. Pois, não vejo outra forma de sairmos deste modo de vida insustentável que não seja através de uma massiva educação emocional que desenvolva uma inteligência que lide na transformação dos impulsos e condicionamentos que ditam nossos desejos, necessidades e ações no mundo. Somente a partir desta “inteligência socioambiental” é que realmente poderemos construir uma sociedade ambientalmente sustentável e socialmente justa. Tal “inteligência socioambiental” deve se basear na descoberta de um real contentamento e satisfação aliada a nossa ampla capacidade de empatia e compaixão e funcionar no reconhecimento de que nosso bem estar pessoal só pode ser pleno e duradouro na medida em que promovamos o bem-estar do meio ambiente natural e social de que somos parte.
 Se formos pensar com quem se deve começar este movimento educacional de inteligência socioambiental, eu diria que com a nova geração de empresários, executivos, economistas, políticos, governantes e seus filhos para que eles não repitam os erros de seus pais e antepassados. Isto porque, se este grupo de elite do planeta não mudar sua maneira de viver e se relacionar o que vamos sustentar em nosso planeta é a hipocrisia manipuladora vigente.
 Hoje o que estamos vendo se criar no mundo é uma sociedade esquizofrênica, sufocada entre as campanhas eco-sustentáveis e as campanhas publicitárias do marketing consumista, numa batalha de informações contraditória que põe a culpa de tudo que está acontecendo e a responsabilidade de mudança em quem menos tem poder de mudar esta situação. E a pergunta que fica é se isto é feito de propósito ou por ignorância. 

 ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista. 
 Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com 
 E-mail: alexsaioro@hotmail.com

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Nossa mente, nosso mundo

por Alexandre Saioro

"Se uma pessoa deseja solucionar os problemas do mundo, é muito importante que essa pessoa comece consigo mesma, tentando solucionar e curar os problemas dentro da sua própria mente. Se tentamos resolver os problemas do mundo sem ter reduzido as tendências pessoais de apego e aversão na nossa mente, então, ao mesmo tempo em que vamos talvez conseguir solucionar alguns dos problemas, provavelmente agravaremos ou criaremos alguns outros.
E esse, infelizmente, foi o caso de muitos revolucionários na história humana, que reconheceram as injustiças sociais, econômicas e muitos outros tipos de problemas políticos e sociais. Mas, ocasionalmente, eles tentaram resolver esses problemas sem a compreensão necessária. Suas mentes estavam propensas a emoções, como ódio, orgulho, egoísmo e confusão. Mesmo muitos deles tendo tido sucessos e criado revoluções, estas acabaram por gerar outros problemas, possivelmente não diminuindo o sofrimento humano, tampouco reduzindo a destruição do meio ambiente.
Portanto, é muito importante não nos deixarmos cair no cinismo, ou apatia, ou desespero. Ao mesmo tempo, se desejamos trazer mudanças benéficas, positivas, para a humanidade, é muito importante começarmos conosco mesmos; é importante começarmos essas mudanças no nosso coração e na nossa mente.”
Alan Wallace
www.caminhodomeio.org/Espiritualidade/wallace
Ao buscar soluções para nossos problemas sociais e ambientais através de ações políticas, tecnológicas e educacionais, temos nos deparado com a falta de inteligência emocional das pessoas para as mudanças de comportamentos sociais necessários, principalmente daquelas que detém o poder de fomentar estas mudanças. Sistemas políticos, leis e novas tecnologias são facilmente mal usados e corrompidos quando mentes e corações estão envolvidos por emoções que não correspondem às suas aspirações. Mesmo naquelas pessoas que achamos ser bem intencionadas, vemos que elas agem e se relacionam, muitas vezes, dominadas por pensamentos e emoções inconscientes. Acham que estão se conduzindo com razão e clareza, mas não percebem as emoções que envolvem suas lógicas e tornam suas ações estreitas, equivocadas e até criminosas.
Toda violência e conflito que vemos no mundo são frutos destes impulsos reativos e de condicionamentos emocionais que ditam uma leitura equivocada do mundo. Ignorantes desta influência, buscamos a felicidade e as soluções para nossos problemas para vermos mais adiante que criamos novos problemas com elas. Fixados em emoções autocentradas, não compreendemos corretamente a realidade em que vivemos, criando certas crenças sobre nós mesmos e o mundo que realimentam estas emoções num círculo vicioso. Mas que realidade é esta que não compreendemos?
Vou citar dois aspectos básicos da realidade que temos muita dificuldade em lidar: a impermanência e a interdependência de todas as coisas. Entendemos intelectualmente e de forma parcial estes dois aspectos. E isto já é alguma coisa, mas não o suficiente. Sabemos teoricamente que todas as coisas mudam e que tudo existe dependente de certas influências e condições, mas não sabemos disso emocionalmente. Resistimos em assumir nossa responsabilidade social e ambiental e não aceitamos muitas mudanças ao longo da vida. Ao fazer isto, nos dissociamos da vida real através de uma percepção autocentrada que só sabe funcionar através do desejo de obter e afastar coisas para se sentir seguro diante das inevitáveis mudanças e influências.
Não é de se surpreender que uma sociedade que vive neste estado mental/emocional tenha seu progresso baseado numa cultura que alimenta a busca constante do prazer pessoal e não dá muita chance para se desenvolver valores que correspondam a nossa realidade interdependente como bondade, compaixão e generosidade. Nos percebemos como se fôssemos completamente independentes uns dos outros e pudéssemos e devêssemos fazer qualquer coisa para conquistar nossos interesses, apegos e prazeres efêmeros; nossos castelos de areia na beira da praia.
Creio que só temos chance de começar a sair desta mentalidade, se dermos a devida atenção às verdades da impermanência e interdependência em nossas vidas. Ao aprofundarmos nossas reflexões sobre estes dois conceitos, podemos começar a ver nosso mundo e a nós mesmos de outra forma. Uma forma mais saudável e sustentável.
Há séculos atrás nossa ciência e sociedade ignoravam os diversos níveis de relacionamentos interdependentes da natureza e hoje elas parecem estar profundamente preocupadas com isso, como podemos ver na crescente “ecologização” do mundo. Ao mesmo tempo, diversas tradições espirituais têm ensinado sobre estas relações em níveis ainda mais amplos que ainda não foram devidamente aceitos por nós, mas que, acredito, em breve serão reconhecidos como importantes fatores para o equilíbrio e a saúde do planeta. De minha parte, acredito que a degradação das condições ambientais no planeta está estreitamente relacionada à degradação das qualidades positivas de nossas mentes. E isso não só com relação à ética e à moralidade, mas, principalmente, com relação à influência da energia das emoções dos seres humanos no meio ambiente natural e social.
Certa vez li um ensinamento da Lama Budista Tsering Everest em que ela dizia: “A realidade de nossa mente produz o nosso próprio meio ambiente. O declínio de nosso meio ambiente é um declínio direto de nossa mente. Podemos olhar para isso com uma visão global. É nossa mente que nos faz experienciar nosso meio ambiente.” www.odsalling.org.br/ensinamentos/meio-ambiente
Será que é por isto que tantos sábios e mestres espirituais têm nos aconselhado a cultivar amor e compaixão por todos os seres e nos ensinado que tudo está interconectado e que, por isso, “só colhemos aquilo que plantamos”?
Acho que se aprofundarmos uma meditação sobre a impermanência e a interdependência em nossas vidas, poderemos ter muitas respostas sobre isto.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista. Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com E-mail: alexsaioro@hotmail.com

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma Visão Sustentável


por Alexandre Saioro


A palavra do momento é sustentabilidade. Se alguma empresa, empreendimento ou grupo social quiser ter um status politicamente correto é só colocar esta palavra mágica no seu discurso. Mas o que significa mesmo sustentabilidade?
Esta palavra tem sido comumente usada em relação ao nosso desenvolvimento econômico e social. Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento criada pelas Nações Unidas, desenvolvimento sustentável é aquele “capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações”.
Esta definição gira em torno da visão de “suprir necessidades”. Mas nela há uma questão que precisa ficar mais clara para caminharmos para este tipo de desenvolvimento.
Que necessidades precisam ser supridas? Ou seja, que padrão de vida é sustentável?
Como todos sabemos, existem necessidades básicas como comida, remédios, roupas, moradia e um ambiente saudável que precisamos para vivermos dignamente. Mas, como vemos hoje, cada um tem seu “padrão” de viver dignamente o que faz com que alguns busquem viver num “alto padrão” e outros não sejam atendidos nem no mínimo do básico. Com certeza, não é esta situação que se quer sustentar. Portanto, creio que ao se falar em sustentabilidade temos que olhar, primeiramente, para uma mudança da atitude autocentrada que temos conduzido nossas vidas para uma atitude altruísta.
Recentemente Leonardo Boff escreveu um artigo criticando as empresas que têm utilizado o termo sustentabilidade como uma falsa propaganda de que estão contribuindo para um desenvolvimento sustentável. Segundo ele, “as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socio-ambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais”.
Como podemos ver, parece que continuamos os mesmos.
A humanidade ao longo de sua história tem demonstrado uma incapacidade de sustentar suas civilizações. Quantos “impérios” já se ergueram e sucumbiram? Muito antes da atual crise ambiental a humanidade já sofreu muito com suas próprias ações no mundo devido a sua ignorância de não saber trazer e manter as condições de harmonia, felicidade e bem-estar. E porque isto acontece?
Vou me arriscar a dar uma resposta. Nossa incapacidade de sustentabilidade se deve a nossa incapacidade de encontrar satisfação. Se quisermos ter um desenvolvimento sustentável temos que olhar muito cuidadosamente para conceitos como satisfação e contentamento.
Nada se sustenta na insatisfação e o ser humano sempre viveu num estado de insatisfação crônica, onde o que ele conquista é suficiente apenas por um tempo. Muitos afirmam que é utópico querer se alcançar uma satisfação permanente e que sempre teremos insatisfações na vida. Na verdade, afirmam até que é esta insatisfação que nos impulsiona para uma “evolução”. No meu ver só se for a evolução do sofrimento, pois o que é esta insatisfação crônica senão a raiz da cobiça que nos cega das terríveis consequências de nossas ações?
Creio que a ideia de que estamos fadados a viver na insatisfação vem de uma visão distorcida de como funciona a mente humana.
Veja o que Dasho Karma Ura, mestre em Política, Filosofia e Economia pela Universidade de Oxford, Inglaterra escreveu em um artigo sobre esta questão: “Nossa compreensão de como a mente obtém felicidade afeta a nossa experiência com a mesma, ao influir nos meios que escolhemos para a sua busca. Em alguns ramos das ciências comportamentais, a mente é concebida como um aparato de entrada-saída, que responde apenas aos estímulos externos. Uma conseqüência deste modelo é que as sensações prazerosas e de felicidade são vistas como dependentes somente de estímulos externos. Felicidade é percebida como uma conseqüência direta dos prazeres sensoriais. Com tal excessiva ênfase nos estímulos externos como a fonte de felicidade, não é de se surpreender que os indivíduos sejam levados a acreditar que, ao serem materialistas, serão mais felizes”.
“Mas existe uma tradição que aponta um caminho oposto à busca da felicidade baseada em estímulos externos, e que mostra que sensações prazerosas serão geradas ao se bloquear a entrada dos estímulos sensoriais externos e calando-se o palavrório mental. Isso requer a prática regular de técnicas de meditação, através das quais o indivíduo experiencia o sujeito em si, em vez do sujeito experienciar os estímulos externos.
Ao se utilizar um método contemplativo, não há nada externo que possa se constituir num insumo para felicidade. Desde que seja praticada de forma disciplinada e regular, a meditação pode levar à mudanças na estrutura mental (nas redes neurais), fazendo com que a calma e o contentamento sejam traços perenes da personalidade. Em outras palavras, as faculdades mentais podem ser treinadas em direção à felicidade”.

(http://www.holos.org.br/artigos/167/fib-felicidade-interna-bruta)
Fica claro nas palavras de Dasho Karma Ura que antes (ou ao mesmo tempo) de pensarmos em soluções tecnológicas, administrativas ou políticas para um desenvolvimento sustentável, há uma necessidade emergente de capacitarmos as pessoas na descoberta deste tipo de contentamento e felicidades perenes.
Não vejo outra forma de construirmos uma sociedade ecologicamente correta, economicamente viável e socialmente justa que não seja através da diminuição da proliferação de desejos autocentrados e da estimulação de uma motivação altruísta e compassiva em nossas relações sociais e ambientais, baseadas na descoberta de um contentamento perene.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista. Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com E-mail: alexsaioro@hotmail.com

domingo, 31 de maio de 2009

A LIBERDADE DE UMA VIDA SEM FUTURO

Por Alexandre Saioro

Falar de uma vida sem futuro pode não soar bem, pois usamos este termo “sem futuro” para falar de coisas que não terão uma continuidade, e quando relacionamos isso com a vida isso significa morte. E nós temos um grande problema em falar de morte, apesar de sabermos que ela pode acontecer a qualquer momento. Esta incerteza da existência que nos ronda constantemente pode parecer algo muito perturbador, mas se nos aventurarmos a contemplar este fato inexorável, podemos descobrir uma profunda liberdade.
Morte, vida e tempo estão profundamente relacionados.
Vivemos completamente imersos no tempo. O tempo é para nós o que a água é para os peixes. Sem a experiência do tempo parecemos não existir. Pois o que sou eu sem o meu passado e sem um futuro? E o que sou no presente senão o que tento preservar do meu passado e busco realizar no futuro?
Desta perspectiva eu só me sinto existindo se eu fui alguma coisa no passado e me vejo sendo alguma coisa no futuro. Nosso conhecimento intelectual e emocional está atrelado a esta noção da vida, nossas experiências passadas e expectativas futuras. E quase imperceptível, espremido e sufocado entre estes dois potentes e repressores conceitos, está o momento presente com todo o seu frescor, perfeição e inteligência. Ou seja, a única realidade que temos, o agora, não existe em nossa mente aferrada ao passado e embriagada pelo futuro.
Olhando para este panorama não é difícil entender porque criamos tanto sofrimento em nossas vidas. Nos apegamos a um corpo que nos faz sentir separados de todo o resto, aprendemos a identificar este corpo com um nome e, assim, criamos um personagem que desenvolve uma estória no mundo a partir de experiências emocionais e mentais, nos identificamos com isso tudo e passamos o resto da vida ocupados em duas atividades completamente fúteis: preservar e evoluir uma existência viciada em passado e futuro.
Esta alucinação temporal nos tira qualquer possibilidade de nos ver vivendo de outra forma, pois outra possibilidade disso só é percebido como morte. Mas a vida não é esta ilusão que criamos, por isso temos que trabalhar duro para reprimir tudo aquilo que se manifesta ameaçando a nossa percepção ilusória, ou seja, vivemos para reprimir a vida que pulsa constantemente contra nossa percepção de tempo psicológico.
Assim como poderíamos dizer para os peixes que o mundo é muito mais do que oceanos, rios e lagos, poderíamos dizer para nós mesmos que a vida é muito mais do que a vida no tempo. Eu já vi algumas espécies de peixes que se aventuram ficar fora da água, são raros, mas existem. Eu também já conheci alguns homens que se aventuram viver fora do tempo, estes também são raros. Mas esta é uma realidade que não tem chance de ser vislumbrada por aquele que luta desesperadamente para sobreviver no tempo. Para isso temos que perder o medo de nos ver sem futuro, aprender a relaxar a mente no momento presente e ver a ilusão do eu. O que seria o eu sem passado e sem futuro?
O tempo é a matéria prima do nosso mundo ilusório com sua idéia de preservação e evolução. Quando conseguimos estabelecer as condições para nos sentirmos preservados, esta falsa sensação de segurança nos dá um certo descanso para seguirmos em frente, queremos “evoluir”. É assim que, embriagados pelos nossos planos, nos tornamos completamente estúpidos e pensamos que estamos indo para algum lugar. Mas, na verdade, o único lugar para onde estamos indo é exatamente aquele que estamos o tempo todo tentando evitar: a morte. É desta forma que fazemos da vida uma luta incessante.
É tão irônico. Vivemos obcecados por nos identificar e manter coisas que nos afastem da morte como um corpo, uma personalidade, emoções, idéias, uma carreira, um relacionamento etc., mas são estas mesmas coisas que quando terminam (e elas sempre terminam) nos faz ter a sensação de morte. Mas o que é que morre?
Como diz Alan Wallace:
“O que não é dependente do corpo não pode morrer. Aquilo a que o Buda se refere como “sem morte” é a consciência pura - ampla, vívida e atenta, sem se agarrar ou se identificar -, a conscientização livre da identificação com o corpo e que observa as sensações surgirem e passarem, que observa os eventos mentais e os sentimentos, que observa todos os fenômenos surgindo e passando no espaço como nuvens que se dissolvem no céu. Se eu não estou identificado com este corpo, com as memórias, desejos ou sentimentos, quem morre?”
Alan Wallace “Budismo com Atitude” - Ed. Nova Era
Ao respondermos esta pergunta, talvez compreendamos o que é viver momento a momento com todas as possibilidades, vida e morte unidos, nos vendo em tudo e todos. Pois somos aquele momento com tudo e todos, nada fica de fora. E aí, sendo tudo e todos, em todos os tempos que nada mais é do que o atemporal, podemos confiar no agora e livres viver uma vida sem futuro.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com


E-mail: alexsaioro@hotmail.com

quinta-feira, 12 de junho de 2008

A sabedoria do jardim de infância

Será que precisamos percorrer um longo caminho de sofrimento, pretensões e frustrações para perceber que a vida é antes de tudo uma deliciosa e absurda aventura? Será que é necessário o tempo de uma vida inteira para compreendermos a essência simples e bem-humorada de tudo que vivemos?
Talvez nem uma vida seja suficiente para isso. Temos grande chance de chegar no momento de nossa morte sem saber realmente o que é ter vivido.
Creio que se não ficássemos nos debatendo com os acontecimentos da vida, tornando as coisas tão sérias e cheias de importância perceberíamos o bom humor contido em tudo. Quantas vezes você já riu de coisas passadas que na época o deixou profundamente irritado, nervoso, magoado ou temeroso?
Enquanto estamos envolvidos em uma experiência, a vemos como algo extremamente importante, mas a partir do momento em que ela passa, ou melhor, que a deixamos passar, podemos começar a vê-la de uma outra perspectiva com outras nuances; talvez mais natural, é esta a palavra. Se pudéssemos ver nossas experiências de vida de uma forma mais simples e natural talvez não sofrêssemos tanto. Mas fica difícil vermos as coisas naturalmente enquanto criamos inúmeros artifícios para nos esquivar de uma constante insegurança sobre o que somos realmente.
Se observarmos bem nossa vida é toda motivada por uma necessidade de confirmação do que nós somos, seja por nós mesmos ou pelos outros. Movidos por esta necessidade não há outra coisa que possamos colher que não seja mais insegurança. Diante disso, nossas estratégias de defesa se tornam tão sofisticadas que mesmo quando achamos que estamos realizando algo de forma pura e desinteressada, podemos nos surpreender ao nos vermos irritados ou deprimidos quando não somos reconhecidos ou somos criticados no que fazemos.
Vivemos sob a incrível ilusão de uma cultura que nos mostra modos de vida cada vez mais complicados e confusos ao focar a nossa existência na satisfação desta necessidade de reconhecimento e perpetuação da imagem de um eu. Neste mundo, apesar de mostrarem as coisas muito coloridas e divertidas no marketing da vida, tudo nos é passado como muito sério, algo que você precisa conquistar, senão você não é ninguém. O alimento é sério, o sexo é sério, o trabalho, a diversão e o lazer é tudo muito sério. A grande ironia é que tudo isso que se pode conquistar para se sentir sendo alguma coisa acaba uma hora. Mas não tem problema. Nós sempre vamos em busca de novas conquistas e assim nos mantemos ocupados por toda a vida, até que um dia nos vemos diante da morte e aí, o que realmente importa?
Às vezes, mesmo percebendo todo este jogo, nós continuamos buscando em algum nível de existência uma realização que você imagina existir. E se você não cosegue sair da cilada disso tudo você acaba se tornando escravo de si mesmo, das suas idéias, onde na melhor das hipóteses você se torna um filósofo e na pior um filósofo que gosta de levar vantagem em tudo, certo?
Certa vez, li o seguinte trecho de um livro de um místico americano chamado Da Free John: "A vida é completamente absurda. Enquanto você está vivo, tudo parece importante. Até o desespero é importante, o reconhecimento de que alguma coisa importante para você não aconteceu. Assim, a vida, enquanto você a vive, é cheia de importâncias. Por outro lado, todo o universo conspira para fazê-lo ceder o que parece importante, pois tudo no universo chega ao fim. Toda experiência está conspirando para fazê-lo transcender a experiência, exigindo, ao mesmo tempo, que você consume a experiência". Não conheço este Da Free John, mas gostei deste trecho.
Cada experiência que temos contém a mensagem última da necessidade da transcendência da experiência, pois tudo tem um começo, um meio e um fim. Sabemos que por mais prazerosa ou dolorosa que seja qualquer experiência, ela acabará, mas impulsivamente nós a seguramos. E seja qual for o tipo de auto satisfação que se busca manter ou de auto realização que se busca alcançar, tudo isso tem o suporte de um sentimento que muitos acham que é importante termos, mas que creio ser o mais terrível veneno que corrompe a nossa capacidade de ser feliz: o orgulho.
O orgulho é o grande muro que erguemos para nos defender daquilo que é o mais eficaz remédio que a vida nos confronta a toda hora para nos tirar do nosso delírio de auto importância. Que remédio é esse? A humilhação. A humilhação nos traz a negação, o fim e a morte que pode nos despertar para a realidade das coisas. Muitas vezes (ou seria sempre?) é ela que nos mostra que não somos o centro do universo e que devemos ser vulneráveis e atentos à vida e ao outro, fazer amizade com nosso não-eu vermos o que realmente tem importância. E, por incrível que pareça, nós aprendemos esta lição desde pequenos, como descreve tão bem o escritor Robert Fulghum:
"Grande parte do que eu realmente precisava saber a respeito da vida, de como viver, do que fazer e de como ser, aprendi no jardim de infância. A sabedoria não estava no cume da montanha da faculdade, mas ali na caixa de areia da escola maternal. Essas são as coisas que aprendi; compartilhe tudo, seja leal; não magoe as pessoas; recoloque as coisas no lugar onde as encontrou; limpe aquilo que sujar; não pegue o que não for seu; peça desculpa quando machucar alguém; lave as mãos antes de comer...
Biscoitos quentes e leite frio são bons para você; leve uma vida equilibrada; aprenda um pouco, pense um pouco, desenhe, pinte, cante, dance, brinque e trabalhe um pouco a cada dia; tire uma soneca todas as tardes; quando sair para o mundo, fique atento no trânsito; dê as mãos e mantenha-se unido, perceba a maravilha...
Pense como o mundo seria melhor se todos nós – o mundo inteiro – tivesse biscoito e leite por volta das três horas de todas as tardes e depois deitasse com suas mantas para tirar um cochilo, ou se tivéssemos uma política básica em nossa nação e em outras nações de sempre recolocar as coisas no lugar onde as encontraram e limpássemos as sujeiras que fizéssemos. E isto continua a ser verdade, não importa a idade: quando sair para o mundo, é melhor dar as mãos e manter-se unido".
ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
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Na Busca da Felicidade: persuadir o cérebro a tender para a esquerda

por Daniel Goleman
publicado no New York Times,em 04/02/2003
Tradução para o portugês por Tenzin Namdrol

Há anos, ainda aluno de pós-graduação, fiz uma pesquisa sobre o potencial da meditação como antídoto nos casos de estresse. Os professores não acreditavam na proposta, os parâmetros eram difusos e quase todos os participantes da pesquisa eram alunos do segundo ano da faculdade. Não é de espantar que os resultados não fossem conclusivos.
Mas hoje, estou vingado.
É certo que, ao longo dos anos, foram feitos muitos estudos sobre a meditação, alguns considerando o poder da meditação de aliviar os efeitos adversos do estresse. Mas só no mês passado encontrei um estudo conclusivo que aventa a hipótese, então vacilante, que apresentara e que demonstrava como os mecanismos cerebrais confirmam o curioso potencial da meditação de tranqüilizar.
A informação vem de um dos muitos frutos de uma improvável colaboração em pesquisa: o Dalai Lama, líder tibetano religioso e político em exílio, com alguns dos mais destacados psicólogos e neurocientistas dos EE.UU. Encontraram-se em março 2000, em Dharamsala, na Índia, durante cinco dias, para estudar a melhor forma de gerir nossas emoções negativas.
Um de meus heróis pessoais neste encontro entre a ciência moderna e a velha sabedoria é o Dr. Richard Davidson, diretor do Laboratório de Neurociência Afetiva da Universidade de Wisconsin. Numa pesquisa recente, o Dr. Davidson, usando MRI funcional e análise EEG, estabeleceu um índice para uma série de pontos no cérebro para as oscilações de humor.
As imagens do MRI funcional demonstram que, quando estamos emocionalmente perturbados—ansiosos, irados ou deprimidos—a série de pontos de maior atividade no cérebro são os circuitos que convergem na amígdala, que compreende parte dos centros emocionais do cérebro, e o córtex pré-frontal direito, uma importante região do cérebro durante a hiper vigilância típica em quem sofre de estresse.
Inversamente, quando a atitude é positiva—otimista, entusiástica e enérgica—estes pontos estão tranqüilos, sendo que a atividade dominante se encontra no córtex pré-frontal esquerdo.
Na verdade, o Dr. Davidson descobriu o que pensa ser uma forma eficaz de indexar a amplitude de humor típica de uma pessoa através da leitura dos níveis de base de atividade nas áreas pré-frontais direita e esquerda. Os indicadores podem antecipar as oscilações de humor diárias com surpreendente precisão. Quanto mais tendem para a direita maior será a possibilidade da pessoa estar triste e angustiada, enquanto que, quanto mais tendem para a esquerda, de estar mais feliz e otimista.
Através da observação de centenas de pessoas, o Dr. Davidson elaborou uma curva de sino, sendo que a maioria das pessoas se encontra distribuída pelo meio, com um misto de bom e de mau humor. As poucas pessoas na extrema direita da curva têm mais probabilidades de passar por uma depressão clinica ou ansiedade patológica no decurso de suas vidas. Para os felizardos na extrema esquerda da curva, as perturbações de humor serão raras e a recuperação rápida.
O exposto pode explicar outros dados que conduzem a uma série de pontos biológicos específicos para a gama de humores. Por exemplo, uma das observações mostra que tanto para as pessoas que têm a sorte de ganhar na loteria quanto para as infelizes que perdem os movimentos dos membros após um acidente, um ano após os portentosos acontecimentos, seus estados de humor cotidianos voltam a ser o que tinham sido, indicando que a série de pontos emocionais oscila pouco ou nada.
Por sorte, o Dr. Davidson teve a oportunidade de observar as tendências de esquerda/direita de um velho lama tibetano que tinha os indicadores esquerdos mais extremos de um grupo de 175 pessoas observadas até então.
O Dr. Davidson comunicou os resultados excepcionais deste estudo durante a reunião do Dalai Lama com os cientistas na Índia. Os resultados, ainda que interessantes, suscitaram mais perguntas ainda do que respostas.
Teria sido uma aberração, ou um traço comum a todos os monges? Poderia estar associado à formação de lamas—no budismo tibetano um sacerdote ou mestre espiritual—que possam mover a série de pontos para a amplitude da felicidade perpétua? Assim sendo, comentou o Dalai Lama, será que o fenômeno pode ser extraído do contexto religioso para ser divulgado e beneficiar qualquer um?
Uma resposta tentativa para a última pergunta surgiu do estudo que o Dr. Davidson levou a cabo em colaboração com o Dr. Jon Kabat-Zinn, fundador da Clínica de Diminuição do Estresse Através na Plena Atenção da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, em Worcester.
A clínica ensina a meditação da plena atenção a pacientes com qualquer tipo enfermidade crônica, para que possam melhor lidar com os sintomas. Num artigo a ser divulgado numa publicação de seus pares, Medicina Psicossomática, os Drs. Davidson e Kabat-Zinn comunicam os resultados da prática da meditação da plena atenção, um método que tem a sua origem no budismo e é transmitido amplamente para pacientes em hospitais e clínicas através dos EEUU e em muitos outros países.
Durante aproximadamente três horas por semana num período de dois meses, o Dr. Kabat-Zinn ensinou as técnicas de meditação da plena atenção ao pessoal de uma empresa de biotecnologia que trabalha com altos níveis de estresse. Para efeitos de comparação um grupo de voluntários da companhia recebeu um treinamento posterior; ainda que, como os participantes, foram testados antes e depois do treinamento pelo Dr. Davidson e seus colegas.
Os resultados são encorajadores para principiantes que não têm a intenção de dedicar o tempo que requer o treinamento de lamas. No início do treinamento na meditação da plena atenção, os empregados tendiam em média para a direita na razão da série de pontos emocionais, enquanto se queixavam de um alto nível de estresse. Contudo, depois do treino, em média, a razão das suas emoções oscilou para a esquerda, para uma zona positiva. Simultaneamente, sentiram uma melhora de humor, de empenho no trabalho, mais energia e menos ansiedade.
Resumindo, os resultados indicam que, com o treinamento, o ponto da série de emoções pode oscilar. Mantendo-se na plena atenção podem observar seus humores e pensamentos e afastar os que possam leva-los ao vórtex da angústia. O Dr. Davidson crê que a meditação pode fortalecer um sem número de neurônios no córtex pré-frontal esquerdo que inibe as mensagens que partem da amígdala e governam as emoções perturbadoras.
Outro proveito para os empregados, anunciou o Dr. Davidson, é que a plena atenção parece fortalecer o sistema imune medido pela quantidade de anticorpos da gripe no sangue após terem sido inoculados com o vírus da gripe.
Segundo o Dr. Davidson, outros estudos indicam que se os componentes de dois grupos de amostragem são expostos ao vírus da gripe, os sintomas dos que aprenderam a técnica da plena atenção serão atenuados. Quanto mais o ponto emocional oscila para a esquerda, maior a imunidade.
O treinamento na meditação da plena atenção é feito com o objetivo de ensinar a vigiar de perto as seqüências de sensações e pensamentos, como exercícios de ioga, tanto durante a meditação sentada quanto em atividade.
Hoje, com a benção do Dalai Lama, uns poucos lamas altamente realizados estão sendo estudados. Todos passaram pelo menos três anos em retiro solitário, prática que os coloca ao mesmo nível de exímios adeptos em outros ramos, como mergulhadores olímpicos e violinistas virtuosos.
O efeito que este treinamento intensivo da mente tem sobre a capacidade do homem foi demonstrado nos estudos preliminares levados a cabo em outros laboratórios. Algumas das informações mais interessantes foram apresentadas por outro cientista, o Dr. Paul Ekman, diretor do Laboratório de Interação Humana na Universidade da Califórnia em São Francisco, que estuda o efeito das emoções sobre as expressões faciais. Dr. Ekman também participou dos cinco dias de diálogos com o Dalai Lama.
O Dr. Ekman desenvolveu uma medição que indica a capacidade uma pessoa para ler os humores de outra, telegrafados em leves e rápidas mudanças de expressões faciais.
Como o Dr. Ekman descreve em "Emoções Reveladas" para distribuição em abril pela editora Times Book, estas micro-expressões — atividades faciais ultra-rápidas, algumas de apenas 1/20 de segundo — revelam nossos sentimentos mais recônditos. Não estamos conscientes deles; mas passam espontâneos e involuntários pela nossa fisionomia revelando, sem qualquer censura, nossas emoções para quem as possa ler.
Felizmente talvez, tem um senão: quase ninguém consegue ler estas expressões. Ainda que o livro do Dr. Ekman explique como, em poucas horas de aprendizado, detectar estas expressões, a pesquisa indica que, com treinamento adequando, a maior parte — incluindo juízes, policiais e psicoterapeutas — não está mais apta a ler as micro-expressões do que quando as respostas são dadas ao acaso.
Contudo, quando o Dr. Ekman trouxe para o laboratório dois praticantes tibetanos, um teve resultado perfeito lendo corretamente três das seis emoções do teste e o outro também teve resultado perfeito lendo quatro das seis emoções. Um professor americano de meditação budista obteve resultado perfeito nos seis, considerado uma raridade. Em geral, com respostas ao acaso se acerta uma em seis.
Estes resultados, associados aos pedidos do Dalai Lama, inspiraram o Dr. Ekman a criar um programa chamado "Cultivando o Equilíbrio Emocional" que associa, de forma sinergética, métodos budistas como o da meditação da plena atenção com treinamento da psicologia moderna, como a leitura das micro-expressões, e busca proporcionar um melhor gerenciamento de emoções e relacionamentos.
No mês passado teve início um projeto piloto com professores primários na região da Baía de São Francisco, sob a direção da Dra. Margaret Kemeny, professora de medicina comportamental da Universidade da Califórnia em São Francisco. Ela espera poder replicar as observações do Dr. Davidson sobre os efeitos da plena atenção no sistema imune e também acrescentar outras medidas de capacitação emocional e social, numa experiência controlada com 120 enfermeiros e professores.
Para terminar, a inércia da ciência nestas explorações preliminares suscitou a curiosidade de investigadores. Sob a égide do Instituto da Mente e da Vida, que organiza uma série contínua de reuniões entre o Dalai Lama e cientistas, terá lugar a 13 e 14 de setembro, uma série de encontros no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Nesta ocasião o Dalai Lama se encontrará com um grupo mais numeroso de pesquisadores com o fito de incluir outras possibilidades de pesquisa.
Ainda que abertas ao público, metade da capacidade do auditório está reservada para os alunos graduados dos pesquisadores acadêmicos. (para mais informação procure
http://www.investigatingthemind.org/)
Quanto a mim, levo isto a peito. Meditante bissexto desde o tempo de faculdade, considero-me hoje um sério praticante. No próximo mês, parto em retiro com a minha esposa para, num clima ameno, meditarmos durante três semanas. Posso nunca chegar às realizações do sublime lama, mas vai ser divertido ir tentando.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Sem apreciação, não tem solução

Há (e sempre houve) um problema. Um problema que a cada instante vem se tornando cada vez maior na medida em que a ignorância disfarçada de inteligência vem buscando soluções paliativas que nada resolvem realmente.
Talvez este problema seja o pecado original que é cometido em cada momento de nossa vida, dominada pelo conhecimento condicionado por um sentimento conflituoso que nos faz temer e esperar algo melhor ou pior do que é o agora. E, assim, consumimos nossa preciosa vida em intermináveis repetições desta busca/fuga numa prisão cíclica imposta somente por nós mesmos.
Em outras palavras, podemos dizer que a raiz de nossos problemas é nossa falta de apreciação.
Por exemplo, você consegue parar e apreciar o agora? Sim, agora, do jeito que as coisas estão, sem mudar nada. Não importa o que esteja acontecendo ou o que possa acontecer ou aconteceu. Consegue?
Se não consegue este é o problema, ou melhor, a causa de todos os seus problemas, inclusive do aquecimento global.
Quando digo apreciação, não é no sentido de análise ou julgamento. Aliás isso nós temos até demais. A apreciação que nos falta é o puro olhar, aberto e receptivo que nos faz valorizar o que quer que esteja acontecendo.
Para termos tal apreciação é preciso parar com o nosso vício em selecionar as coisas em desejáveis e não desejáveis e descobrir o que é bom em cada momento. Mas isso só é possível se deixarmos as nossas idéias concebidas do que é bom ou ruim. E para a maioria de nós isso é loucura.
Quando falei do pecado original no início do texto eu me referia a como estamos comendo a fruta da árvore do conhecimento e julgando o bem e o mal a cada instante. É desta forma que a todo momento nos afastamos da capacidade de percebermos a perfeição e pureza do agora. Esta forma de percepção equivocada se tornou um vício a tal ponto de não vermos outra forma de viver.
Mas creio que podemos e devemos recuperar a lucidez perdida. Este tem sido o papel da espiritualidade humana ao longo dos tempos. E o que se vê hoje é que a necessidade de se recuperar esta lucidez não é mais um luxo religioso. Hoje se tornou, ao meu ver, o fator principal da sobrevivência da humanidade.
Hoje as consequências da percepção distorcida da realidade ganhou um poder tão grande que já ameaça a existência da vida no planeta. Nossa doentia busca por satisfação está nos matando.
Mas o que seria esta lucidez? O que é a mesma coisa que perguntar: Como encontar a paz?
Acredito que a resposta está no exercício da apreciação. E poderíamos traçar um roteiro deste exercício numa sequência em que nos dispuséssemos a olhar, contemplar e amar.
Primeiramente, olhar. Antes de rejeitar ou desejar, olhe. Dê espaço. Isso diz respeito a não cair na armadilha da reação, do condicionamento e do preconceito. Olhe aberto. Este primeiro passo é importantíssimo e requer uma boa dose de destemor e de ousadia. Sem isso não tem como irmos em frente. Isto porque estamos o tempo todo nos relacionando com as coisas partindo de uma insegurança que trazemos conosco desde o momento em que nos percebemos como "eu". E para ver de outra forma é preciso desafiar este olhar inseguro e descobrir o que é contemplar.
Avançando neste desafio, podemos contemplar, permitir que o outro se manifeste e permitir que nos comuniquemos com o que está se manifestando. Através desta comunicação destemida podemos ver as qualidades que se apresentam no momento, sem julgamento. Desta forma, podemos apreciar a energia que está presente. A energia é isenta de bem ou mal, de gosto e não gosto, de quero e não quero. É pura.
Ao nos familiarizarmos cada vez mais com esta nova forma de comunicação ganhamos confiança, o que nos permite relaxar diante das situações e vê-las com clareza e precisão. Nisso tudo há uma inteligência tremenda se desenvolvendo e é dela que é possível verdadeiramente apreciar o momento. E é desta apreciação que é possível amar.
Este amor é a raiz de nossa felicidade, pois não é uma amor que deseja ou rejeita, é apenas o amor que reconhece a perfeição do momento. Podemos dizer que esta felicidade é sinônimo de liberdade. Liberdade para estarmos onde estivermos sem a necessidade de mudar, acrescentar ou retirar algo. Ou seja, apreciar o agora. E nessa situação não há problemas.
Não sei se vocês concordam comigo, mas creio que esta apreciação é a real solução para o aquecimento global. Porque se aprendermos a apreciar o que temos em cada momento, mais satisfeitos estaremos com nossas vidas. E se estamos satisfeitos não temos tanta cobiça por coisas ou experiências. Nossa vida se torna muito mais simples. Não precisamos consumir tantas coisas e desejar sempre coisas novas ou fazer tantas coisas para sentirmos um pouco de felicidade passageira. Desta forma, usaremos menos recursos naturais, não levando a exaustão o equilíbrio ecológico do planeta.
Ao meu ver, não adianta muito promover reciclagem, novos materiais ou combustíveis para satisfazer nossas mentes equivocadas e movimentar este pernicioso sistema de vida que a sociedade moderna vem desenvolvendo. Pois, se não aprendermos a olhar, contemplar e amar o nosso momento presente, estaremos ainda condenados a prisão perpétua da eterna insatisfação que exige sempre mais alguma coisa para, ilusoriamente, nos sentirmos bem. Este é o verdadeiro problema: nossas mentes. Nossas mentes em conflito, em insatisfação, sempre com novas idéias sobre coisas que são importantes, mas que no final se tornam tediosas e sem atrativos. O problema não está no sistema vigente, no consumismo, nos governos, pois nada disso existiria se nossas mentes não perpetuassem o círculo viciosos de nossa visão equivocada.
E a grande notícia é que o mundo não precisa mudar para você mudar esta visão equivocada. A liberdade disso tudo só depende de você. Do seu destemor e ousadia em achar um caminho para aprender a olhar, contemplar e amar.
Então, finalmente, não importa o que esteja acontecendo, você poderá apreciar a vida e saber que sempre tudo esteve bem.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

A Virtude da Solidão

A solidão para muitos é um terrível mal. Para outros, algo que se pode suportar com algumas distrações. Poucos conseguem extrair da solidão algo que os enriquecem. Alguns escolhem momentos de solidão para descansar, refletir ou buscar um equilíbrio em suas vidas. Mas e quando não escolhemos a solidão?
Se pensarmos bem veremos que com relação a solidão nós não temos escolha. Na verdade, a solidão é inerente a nossa existência. Você já parou para pensar que ninguém nunca saberá realmente o que é ser o que somos? Que por mais que nos sintamos ligados a alguém, nós também nunca saberemos o que esta pessoa é ?
Mesmo assim, nós fazemos de tudo para não nos sentirmos sós. Mas, o que não percebemos é que estamos sempre sós e a nossa vã tentativa de fugir desta solidão básica com nossas distrações apenas nos faz sofrer. E enquanto continuarmos fugindo da solidão não vamos descobrir o que ela é, e o que nós somos. Você já experimentou ficar parado alguns minutos sem buscar uma distração? Já experimentou ficar em casa sozinho sem ligar a televisão, colocar um cd para escutar ou pegar alguma coisa para ler, e apenas ficar consigo mesmo?
Parece que temos que ter uma tremenda coragem para dar um tempo nas tantas atrações e distrações da vida cotidiana e ficarmos mais receptivos ao que se passa em nosso interior. Uma coisa que não ajuda muito também é a nossa sociedade de consumo com seus ininterruptos estímulos para que nos sintamos insatisfeitos ou achando que podemos ser muito mais do que somos; o que, no final, é a mesma coisa. Atualmente, ficar contente com o que apenas se é é quase um ato subversivo; uma grande ameaça para a economia e o crescimento do país. Somos estimulados a buscar e agregar sempre novos elementos para nossa felicidade, pois o que temos nunca é suficiente. O que não vemos neste processo é que vamos destruindo a nossa capacidade de apreciação, nos tornando, na verdade, cada vez mais miseráveis. Uma das formas que vejo para saírmos deste esquema empobrecedor é descobrir a virtude da solidão. Quando exploramos e nos aprofundamos em nossa solidão básica, podemos começar a expandir o nosso sentido de participação e apreciação. Tornamo-nos mais sensíveis a pequenas coisas que antes nos passariam despercebidas. E estas “pequenas coisas” nos mostram o quanto podemos apreciar a vida em cada detalhe e em sua totalidade.
A virtude da solidão está em termos a oportunidade de olharmos nossa experiência como ela é sem querer nos esquivar com subterfúgios e sem tentar manipular situações e pessoas segundo nossas tendências habituais e falsas necessidades . Podemos, então perceber um sentido de vida mais abrangente semelhante ao do primeiro homem descrito por Laurens Van der Post em “Patterns of Renewall”:
“O primeiro homem vivia numa intimidade extraordinária com a natureza. Não havia lugar algum de que ele não se sentisse parte. Não tinha... nada desse sentido medonho de não pertencer, de isolamento, de inexpressividade, que tanto devasta o coração dos homens modernos. Aonde quer que fosse, ele pertencia ao lugar e, o que era mais importante, aonde quer que fosse, sentia-se conhecido... Conheciam-no as árvores; os animais o conheciam como eles o conhecia; conheciam-no as estrelas. Era tão vívido o seu sentido de relacionamento que ele podia falar do “nosso irmão, o abutre”. Erguia os olhos para as estrelas e falava de “Vovô Sírio”... porque era este o mais alto título honorífico que podia conceder.”
Isso tudo pode parecer muito bonito colocado em palavras, mas nos pede um bocado de trabalho. Pois, teremos que lidar com a maneira que vemos a nós mesmos e ao mundo. Creio que isso diz respeito a duas forças que se realimentam constantemente dentro de nós. Uma é a nossa tendência habitual de nos agarrarmos a alguma coisa que nos dê segurança e confirme nossas ilusórias certezas. E a outra é a força da cultura que criamos para nos proteger da incerteza e insegurança do mundo. Quando digo cultura estou falando de todo o sistema de crenças e valores sejam eles familiares, grupais, nacionais, estéticos, etc.
É a cultura que nos dá uma identidade, um sentido de vida e os elementos que aparentemente nos protegem da dura verdade da morte que espreita tudo a que nos identificamos. Parece que a cultura é uma tentativa de burlar a morte; de confirmar que apesar de tudo somos alguma coisa que permanece mesmo depois da morte. Mas nada na vida permanece e para amenizar esta discordância com a vida, seguimos iludidos pela nossa cultura. Mas esta ilusão restringe cada vez mais nossa capacidade de viver plenamente as coisas como elas são, simplesmente pelo que elas são e não pelo que achamos que elas nos dão.
Você pode achar que eu estou falando que muito do nosso problema está naquilo que tantos se orgulham: a cultura. Mas, se refletirmos um pouco mais veremos que a cultura é fruto da nossa insegurança que é fruto da ignorância sobre nossa realidade. Então, uma real mudança não é uma questão de uma troca de culturas, se bem que podemos ver que algumas são menos doentias do que outras. Toda a cultura têm seus conceitos, crenças e valores. Mas o problema também não está aí. O problema começa quando nos aferramos a isso tudo como “A Verdade”. É aí que perdemos nossa lucidez, perdemos nossa liberdade para nos relacionarmos com o mundo e com as coisas como elas são. Por isso a solidão é tão dolorosa para muitos de nós, porque ela é a perda de algo que nos dava uma identidade e um sentido de vida, mas e é exatamente aí nesta perda que está a oportunidade de alcançar uma liberdade maior. Na busca por uma identidade almejamos congelar a realidade, mas a realidade é mudança, fluidez, e nós somos isso também, só que vivemos querendo ignorar este fato, daí nosso sofrimento. Somos como um cubo de gelo num lago que se recusa em derreter.
Reservar momentos de solidão pode ser uma forma de parar esta recusa. Nesta solidão, procurar apreciar a riqueza do momento presente é o ponto de partida para travarmos relacionamentos mais saudáveis conosco mesmo e com o mundo. Portanto, reserve alguns minutos ao dia para um encontro com sua solidão básica, ou se puder uma hora ou um dia inteiro; ou, quem sabe, alguns dias, talvez um retiro de um mês. Creio que isso faz muito bem para tornar a solidão uma grande companheira no conhecimento do que nós somos.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

domingo, 3 de junho de 2007

A verdade inconveniente de cada dia

Quando vejo que muitas das coisas (senão tudo) que identifico de errado no mundo eu vejo também em mim. Quando vejo que a agressão, o maniqueísmo, a arrogância, o desejo de levar vantagem em tudo (certo?), a falta de compaixão e de generosidade passeiam nos meus pensamentos, nas minhas falas e minhas ações, como posso querer resolver algum problema no mundo?
É conveniente vermos todos os problemas sociais como algo a ser transformado fora de nós mesmo. É mais fácil tentar mudar os outros do que a nós mesmos. É menos incômodo vermos outras pessoas, as instituições e o governo como a causa dos nossos problemas do que reconhecer que cada um de nós é o nosso próprio problema. Onde realmente estão nossos problemas? E onde podem estar as soluções?
Cada vez mais tenho visto como o outro (e quando digo "o outro" quero dizer tudo aquilo que vejo que não sou) tem se mostrado como um espelho para eu reconhecer o que tenho dentro de mim, como se ele manifestasse aquilo que já fui, ou mesmo, que ainda sou. Às vezes a colheita do que plantamos é instantânea. Nessas horas, me sinto como aquele juiz do filme "Traffic" (se você não viu este filme, veja) que quando vai discursar como o novo chefe do serviço de combate às drogas dos EUA, sai da sala e desiste de tudo para cuidar da filha viciada em heroína, dizendo:
"Se há uma guerra contra as drogas, então muitos de nossos familiares são o inimigo. E não sei como se guerreia com a própria família."
Eu me arrisco a ir um pouco mais além e dizer que se há uma guerra a ser travada contra alguma coisa neste mundo, nós somos o inimigo. E será que nós sabemos guerrear contra nós mesmos? Será que sabemos ver o conflito que há entre nossos diversos "eus", se digladiando para ter algum espaço em nossa vida, e ter a habilidade de pacificá-los e harmonizá-los de forma a não gerarem cada vez mais sofrimento?
Não há como trazermos algum benefício para o mundo e para nós mesmos se não desenvolvermos habilidades e competências emocionais para isso.
Outro dia, li um texto do físico e filósofo da ciência Alan Wallace, doutor em estudos religiosos pela Universidade de Stanford, que sintetiza bem tudo que estou tentando dizer, e que acho de extrema relevância para este momento que estamos vivendo.
"Se uma pessoa deseja solucionar os problemas do mundo, é muito importante que essa pessoa comece consigo mesma, tentando solucionar e curar os problemas dentro da sua própria mente. Se tentamos resolver os problemas do mundo sem ter reduzido as tendências pessoais de apego e aversão na nossa mente, então, ao mesmo tempo que vamos talvez conseguir solucionar alguns dos problemas, provavelmente agravaremos ou criaremos alguns outros.
E esse, infelizmente, foi o caso de muitos revolucionários na história humana, que reconheceram as injustiças sociais, econômicas e muitos outros tipos de problemas políticos e sociais. Mas, ocasionalmente, eles tentaram resolver esses problemas sem a compreensão necessária. Suas mentes estavam propensas a emoções, como ódio, orgulho, egoísmo e confusão. Mesmo muitos deles tendo tido sucessos e criado revoluções, estas acabaram por gerar outros problemas, possivelmente não diminuindo o sofrimento humano, tampouco reduzindo a destruição do meio ambiente. Portanto, é muito importante não nos deixarmos cair no cinismo, ou apatia, ou desespero. Ao mesmo tempo, se desejamos trazer mudanças benéficas, positivas, para a humanidade, é muito importante começarmos conosco mesmos; é importante começarmos essas mudanças no nosso coração e na nossa mente. Temos muito pouco controle sobre o que acontece no resto do mundo, mas, no mínimo, deveríamos ter a habilidade de começar produzindo no nosso coração, na nossa mente e no nosso comportamento, nas nossas ações, as mudanças benéficas que gostaríamos de ver no mundo
."
Isso não quer dizer que não devamos agir externamente para ajudar a resolver nossos problemas sociais e globais, mas precisamos estar muito atentos em como está nossa mente em nossas atividades. Como diz Chagdud Rinpoche:
"Ao encontrar os poderosos do mundo, sentados sobre suas máquinas de guerra, considere-os com estrita equanimidade. Argumente tão bem quanto você for capaz, mas esteja constantemente alerta para o estado de sua mente. Se começar a sentir raiva, recue. Se puder continuar sem raiva, talvez penetre no delírio terrível que causa a guerra e todos os seus sofrimentos infernais. Do claro espaço de sua paz interior, a compaixão deve se expandir para incluir todos os envolvidos na guerra – os soldados, apanhados pelo karma cruel de matar, que sacrificam seu renascimento precioso; os generais e políticos que querem trazer benefícios, mas causam destruição e morte; os civis, que são feridos, mortos e se tornam refugiados. A verdadeira compaixão é absolutamente neutra e abarca todos os tipos de sofrimento, sem se prender a certo ou errado, apego ou aversão".
Seria muito útil se nos lembrássemos deste conselho todos os dias, em todos os momentos. Sempre que nosso hábito de projetar a causa de nosso sofrimento fazer surgir a raiva e a indignação, podemos parar e investigar se a raiz daquela situação não pode estar também em nossa mente e coração naquele momento. Como diz um ditado tibetano, isso seria como matar o peixe para alimentar o cachorro.
Creio que não haverá solução para nenhum problema no mundo se nos esquecermos das palavras de dois mestres da humanidade:
Buda: "É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios; é muito difícil enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro" .
Jesus: "Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão: deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei corrigir o teu erro de visão? Hipócrita, tira primeiro o engano da tua visão, e só então poderás tirar o cisco do teu companheiro".

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog
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E-mail: alexsaioro@hotmail.com

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A Profecia


Por Alexandre Saioro

Outro dia uma amiga minha me mostrou um material sobre algumas profecias que, segundo ela, já estão dando os seus sinais.
Mudanças do eixo da Terra, alterações no campo magnético, situações catastróficas, uma certa purificação do planeta que traria, em seguida, um mundo de paz e harmonia, etc, etc...
Ao final do seu relato ela desabafa: “É meu amigo, estamos vivendo em tempos difíceis de profundas transformações”.
Há mais de 20 anos escuto falar das profecias da Nova Era.
Passei parte de minha vida convivendo com pessoas e grupos da cultura “new age” e nunca me liguei muito nestas visões e profecias que, de vez em quando, surgiam de mais um livro ou movimento espiritual.
Vi previsões de certos acontecimentos não acontecerem e os que aconteceram não foram nada mais do que coisas previsíveis e normais que fazem parte de um mundo que sempre está em transformação. E quando o mundo não esteve em transformação?
Acontecimentos mundiais traumáticos de grande magnitude que trouxeram mudanças significativas sempre fizeram parte da história da humanidade e do planeta. Por que seria diferente agora ou no futuro?
Diversos povos ao longo da história da humanidade passaram por transformações e viveram tempos difíceis. Tiveram sua ascensão e queda.
Neste exato momento, milhões de seres estão passando por verdadeiras catástrofes, sendo caçados, deformados, torturados e aniquilados como sempre foram. Dos confins do Universo até as profundezas da Terra, mundos estão sendo criados e destruídos.
O que são tempos difíceis? São somente aqueles que nós vemos e vivenciamos?
Se estamos vivendo em tempos difíceis e de profundas transformações, o que não diriam aqueles que viveram na época da Segunda Guerra Mundial ou de qualquer outra época e lugar que houve um acontecimento estarrecedor?
Não estamos vivendo em tempos difíceis. Talvez a vida seja um tempo difícil.
Não precisamos de profecias para saber que vamos passar por um momento de profunda transformação; todos sabemos que um dia vamos morrer e que esse vai ser o tempo mais difícil de nossas vidas se não nos prepararmos para isso. Ou seja, se não nos prepararmos para diminuir nossas expectativas e temores com relação a este mundo efêmero.
Há uma profecia que acredito é a maior de todas e que é infalível: Tudo que começar terá um fim. E não vai adiantar lutar e ficar surpreso com isso.
Creio que todo este alarde sobre profecias tem sua causa em nossa eterna busca vã de estar num lugar totalmente seguro, livre de ameaças e mudanças, juntamente com a nossa necessidade de termos uma certa previsibilidade para nossas vidas.
Temos que começar a ver nós mesmos e o mundo com mais lucidez para darmos os passos certos nas mudanças que sempre acontecerão.
Na verdade, precisamos estar atentos para ver que tipo de mudança realmente é necessário acontecer. Não temos muito como influenciar acontecimentos externos, mas temos total capacidade para promover mudanças interiores que realmente trazem uma profunda transformação em nossa maneira de vivenciar as experiências.
Creio que ao invés de ficarmos esperando pelas soluções de uma hipotética purificação do planeta, deveríamos assumir a nossa real capacidade de mudar a nossa mente e eliminar os venenos que circulam permanentemente por ela.
As pessoas esperam uma Nova Era de paz e harmonia em acontecimentos externos, mas continuam cheias dos velhos medos, desejos, orgulhos e discriminações autocentrados, camuflados por uma pseudo-espiritualidade que mantém a eterna luta dualista do bem e do mal, raiz de todo o nosso sofrimento.
Vejo minha amiga gastando sua energia e o tempo que lhe resta preocupada com profecias e o advento de um suposto novo mundo iluminado, ao invés de olhar para o que ela tem nas mãos e procurar descobrir agora, neste exato momento, uma sabedoria que está além de começos e fins, de velho e novo, de “espiritual” e “mundano”. Com a mente e coração envolvidos pelo medo e pela ansiedade sobre fatos que “sinalizam” a chegada de um caos apocalíptico, ela mantém a esperança de que será uma das escolhidas para viver num futuro novo mundo purificado e divino.
Com certeza, muitas pessoas acham uma loucura toda esta história de profecias, mas se olharmos bem todos nós temos as nossas. Todos nós temos temores, expectativas e palpites com relação ao nosso futuro. Todos queremos e estamos trabalhando por alguma coisa melhor e temos certeza que um dia chegaremos na nossa “Terra Prometida” seja num novo mundo, num novo modelo social, num novo emprego ou num novo relacionamento, e, desta forma, vamos conduzindo nossa vida. Cada qual com suas crenças e seus valores.
Mas será que você em nenhum momento teve a impressão que está o tempo todo correndo atrás (ou fugindo) do próprio rabo?

Procurando uma escada para o céu

Em algum momento de nossas vidas podemos começar a questionar se podemos confiar nas coisas do mundo para obtermos felicidade, paz e harmonia duradouras. O caráter efêmero, impermanente e fugaz de nossas experiências nos mostra que elas nos escaparão em algum momento, mesmo que esse momento seja somente no momento de nossa morte.
Muitas pessoas costumam ter este tipo de questionamento após alguma experiência traumática de perda e sofrimento. Mas, às vezes, ele pode surgir apenas pela observação crítica do caráter não confiável de nossas conquistas sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais.
Percebendo a constante insatisfação que a vida “mundana” nos proporciona podemos acabar nos voltando para as questões espirituais, buscando as soluções para nosso sofrimento nos aspectos transcendentes da vida.
Todo este questionamento é muito saudável, podendo nos trazer mais lucidez para não sermos eternas vítimas das falsas promessas que uma visão ilusória do mundo nos oferece. Mas, o que, normalmente, vemos quando iniciamos este movimento é que acabamos nos relacionando com as coisas espirituais com a mesma mentalidade materialista com que nos relacionamos com as coisas do mundo. Ou seja, caímos no que é chamado de materialismo espiritual.
Ao invés de buscarmos adquirir mais dinheiro, fama, sucesso, relacionamentos, etc., buscamos adquirir capacidades e poderes espirituais, clarividência e contatos com seres e mundos superiores ou simplesmente buscamos a salvação, a paz, a harmonia e todo o tipo de satisfações idealizadas e preconcebidas. Nos voltamos para a oração, a meditação e diversas “ciências espirituais” da mesma forma que nos voltamos para os diversos instrumentos e ciências mundanas para encontrarmos a felicidade.
Desta forma, mudamos apenas os objetos na busca de satisfação e realização de nossa ambição. Não percebemos que talvez a espiritualidade seja mais do que isso. Que vá além da satisfação de nosso ego e que, na verdade, vá contra a correnteza que nos impulsiona para o engrandecimento de nosso eu.
Nas palavras de Chogyam Trungpa: “O percurso correto do caminho espiritual é um processo muito sutil e não alguma coisa que possamos atirar-nos ingenuamente. Existem numerosos desvios que levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade; podemos iludir-nos imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente quando, na verdade, não fazemos senão fortalecer nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais. A essa distorção básica pode dar-se o nome de materialismo espiritual”.
“Se formos bem sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa ‘Egoidade’.”
(Além do Materialismo Espiritual - Chogyam Trungpa – Ed. Cultrix)
Não são poucos os exemplos de tal desvio em diversas propostas espirituais que encontramos no grande (e lucrativo) “supermercado espiritual” oferecido atualmente. Da mesma forma, podemos ver também tais desvios em visões espirituais bem intencionadas que trazem até mesmo um certo benefício, mas que não diferem muito da mentalidade comum de proporcionar mais uma aquisição para o ego.
Um exemplo disto está em caminhos espirituais que adotam até um certo tipo de compaixão como motivação para o desenvolvimento de capacidades espirituais transcendentes e “superiores” e que confundem uma realização de iluminação com essas aquisições espirituais. Desta forma, tanto a compaixão como as qualidades e poderes espirituais se tornam novas formas de satisfazer a necessidade de importância do ego; algo com que ele se identifica e busca preservar. Muitas vezes, nesta busca de preservação, qualquer coisa que ameace este “eu espiritual” e uma visão idealizada da vida e da realidade deve ser combatida. Iniciamos uma cruzada espiritual contra as “energias negativas” e “forças involutivas” transpondo para um plano mais sutil um tipo de agressão não muito diferente da que vemos em nosso mundo cotidiano. Tal perspectiva (e são muitas; das mais grosseiras as mais sutis) acaba servindo para o fortalecimento do orgulho e da confusão com a idéia de serviço a um mundo espiritual que apenas sofistica e sutiliza o sofrimento, mas não libera os seres completamente do eterno conflito dualista.
Você pode estar se perguntando então qual caminho espiritual que não cai nas malhas do materialismo espiritual?
Creio que ao nos voltarmos para um caminho espiritual seja inevitável nos envolvermos inicialmente com o materialismo espiritual. Parece que precisamos ainda ser seduzidos através de nossos hábitos dualistas para podermos ir além deles. O cerne do materialismo espiritual está na confusão dualista. O dualismo na percepção de eu e outro, na idéia do bem e do mal, do conflito entre o espiritual e o mundano. Então temos que estar atentos a este tipo de armadilha.
Qualquer caminho espiritual que adote esta mentalidade como sua sabedoria última está comprometido com o materialismo que envolve o conflito e o sofrimento do ego que se identifica com uma visão parcial e relativa da realidade tomando isto como algo absoluto e que busca, luta e foge para manter esta identidade.
Se há uma espiritualidade autêntica que não caia nesta mentalidade, será uma espiritualidade que conduza ao fim da dualidade e não a uma sofisticação dela, com a projeção de mundos e seres espirituais superiores a serem aspirados e alcançados e de energias e seres negativos externos a nós a serem temidos e combatidos. Afinal, podemos chegar a conclusão de que se há um demônio a ser “combatido”, este é o demônio da dualidade que tem como seu castelo o nosso eu.

Uma Educação para a Felicidade

Creio que a educação é a única forma que o ser humano tem para desenvolver sua capacidade de ser feliz. Por isso, em todos os seus níveis, a educação deveria capacitar o indivíduo para a felicidade.
Infelizmente não é isso que vemos hoje. Tanto na escola como na família a educação tem sido conduzida no sentido do indivíduo conquistar um determinado status profissional, social e financeiro que não necessariamente representa a sua felicidade.
De diversas formas, desde pequeno, são incutidos valores e crenças na vida do indivíduo que ao invés de capacitá-lo para ser feliz o torna, na verdade, mais e mais insatisfeito.
Num sistema social onde o poder econômico e político está interessado mais em ter um ser humano facilmente manipulável do que consciente e lúcido, cabe a educação, e mais especificamente à educação escolar, procurar caminhos para formar um indivíduo com uma mente livre, capaz de conduzir sua vida com sabedoria e habilidade de manifestar felicidade para si e para o seu meio.
Podemos achar que a felicidade não tem uma receita única, que ela é relativa às características de cada indivíduo e que seria muito difícil estabelecer uma educação para a felicidade que servisse para todos. Com certeza, cada indivíduo tem suas necessidades e capacidades próprias com determinados interesses, desejos, aversões, medos e esperanças. Mas, creio que uma educação para a felicidade deveria se concentrar não em ensinar a adquirir, conquistar e possuir determinadas condições e coisas relativas que podem, momentaneamente, proporcionar alegria e felicidade, mas sim, em trazer a compreensão de como criamos esses interesses, desejos, aversões, medos e esperanças, como nos fixamos em obter felicidade de algumas coisas e infelicidade de outras, como nos habituamos a um determinado tipo de percepção da realidade que nos aprisiona em uma forma de ser feliz.
Creio que para termos uma educação para a felicidade é preciso reconhecer a forma equivocada com que temos buscado esta felicidade. É necessário desenvolver uma investigação que nos mostre que dificilmente encontraremos uma felicidade duradoura ao condicioná-la a certas aquisições do mundo sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais. Através desta investigação, talvez possamos começar a perceber que a felicidade não está nas condições que geram as experiências de sucesso na vida financeira e profissional, na vida amorosa e familiar, nas instituições, nos movimentos sociais e manifestações culturais. Isto porque estas condições, afinal, são impermanentes, passíveis de mudanças e completamente incertas para nos proporcionar uma felicidade duradoura. Ao mesmo tempo, poderíamos ver que nossa mente também muda constantemente e que aquilo que nos satisfazia ontem já não nos satisfaz hoje e que amanhã isso também irá mudar.
Uma educação para a felicidade deveria nos mostrar como somos o tempo todo influenciados por inúmeros fatores, na maioria das vezes de forma inconsciente, o que torna nossa busca de felicidade algo completamente instável e inseguro. E que, por isso, a busca de atrair ou rejeitar coisas para nossa vida não pode ser fonte de felicidade. Antes deveríamos compreender como e porque criamos estas necessidades e, desta forma, aprender a nos desfazer de nossas fixações para que encontremos uma estabilidade, um equilíbrio e felicidade que não seja dependente das coisas e condições.
Este deveria ser o foco principal da educação, pois ao desenvolvermos essa compreensão e sabedoria poderíamos fazer surgir um indivíduo verdadeiramente livre para exercer sua capacidade de escolha e criatividade. Tal educação deveria se concentrar em buscar formas de apresentar, desde a mais tenra idade até a idade adulta, os caminhos para uma felicidade incondicional.
Ao trazer o conhecimento convencional a escola deveria trazer também esta sabedoria. Capacitar o indivíduo a descobrir a natureza de suas experiências mentais, emocionais e corporais para saber lidar com elas de forma libertadora e, assim, ser verdadeiramente criativa e benéfica para si e para os outros.
Creio que, ao aprendermos a investigar a mente que procura uma suposta satisfação e vermos a ilusão e a futilidade da busca e fuga das coisas do mundo, desenvolvemos uma base interior onde podemos começar a descobrir um estado cada vez mais natural, são e feliz da mente.
Educar para desenvolver esta capacidade de investigação e se familiarizar com esta mente natural é fundamental para que o indivíduo possa manifestar plenamente suas potencialidades, assim como, deixar de ser apenas mais uma peça no jogo das muitas forças (em diversos níveis) que se alimentam da ignorância e do sofrimento no mundo.
Tal educação deveria ter como base não só conhecimentos intelectuais e teóricos mas, principalmente, conhecimentos práticos, utilizando métodos de treinamento da mente para a familiarização com a natureza da mente e o desenvolvimento de competências emocionais como concentração, plena atenção, compaixão, paciência, generosidade, receptividade, flexibilidade, entre outras que facilitassem a descoberta de uma felicidade pessoal incondicional e a convivência pacífica e criativa do indivíduo na sociedade, de forma a trazer benefício e felicidade para todos os seres.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Pára Tudo!

Será que seria possível você parar um pouquinho para dar uma olhada no que você está fazendo da sua vida?
Será que seria possível pararmos para vermos o que estamos fazendo com nossa família, nossos vizinhos, as pessoas a nossa volta e o ambiente ao nosso redor?
Será que seria possível os governantes municipais, estaduais, federais e mundiais pararem um pouquinho para verem o que estão fazendo com a Vida - e isto inclui os seres humanos, animais, insetos, o meio ambiente, enfim tudo que eles escolheram cuidar com seus governos?
Será que seria possível os empresários sejam grandes ou pequenos, assim como os artistas, educadores e profissionais de diversas áreas pararem para se perguntar se estão produzindo algo de útil que ajude as pessoas a serem melhores e o mundo um lugar melhor?
Acho que devíamos nos fazer esta pergunta o tempo todo. Não devíamos fazer nada sem antes checar nossa motivação. Se o que realmente queremos gerar com nossos pensamentos, nossas palavras e nossas ações é algo apenas para nossa satisfação autocentrada ou para um bem maior.
Quando olho para tudo que venho presenciando nos quarenta e poucos anos de vida que tenho neste planeta me vem uma sensação de que as coisas não estão indo muito bem. Dá vontade de dizer: pára tudo que eu quero descer.
Diante de tantas evidências ecológicas, científicas, econômicas, políticas e espirituais de como o futuro nos reserva algo terrível se não mudarmos nossas atitudes, como podemos continuar vivendo da mesma maneira como se nada estivesse acontecendo?
Só para se ter uma idéia de como estamos tão alienados do que está nos acontecendo, podemos falar de energia e recursos naturais. Já é mais que sabido que o nosso estilo de vida moderno é insustentável neste planeta. Para a população mundial ter a vida de um norte-americano, um europeu ou de algum cidadão de um país “desenvolvido” é preciso mais três planetas Terra ou mais.
Mas mesmo sabendo disso o que 99% das pessoas no mundo estão buscando?
O que estamos fazendo quando buscamos ganhar cada vez mais dinheiro e obter mais e mais coisas obcecados por tudo que aparece de novo no mercado? O que estamos querendo quando compramos mais um carro; uma tv, um dvd e um aparelho de som para cada quarto; etc.etc... e em nossa constante insatisfação continuamos querendo mais e mais coisas? O que estamos realmente fazendo com nós mesmos?
Parece que todo o desenvolvimento que a humanidade tem realizado tem tido como força motriz esta insatisfação sem limites e isso só tem se mostrado catastrófico.
A maioria (senão todos) os países ricos e desenvolvidos chegaram nesta situação através da exploração de muitos povos ao longo dos séculos, da manipulação política e econômica em muitos países, do assassinato de milhões de pessoas pela indústria armamentista e da corrupção. Além disso, todo este “desenvolvimento” está levando ao esgotamento e a poluição do planeta.
Será que não dá para parar tudo um pouco e pensar o que podemos fazer para mudar isso ou pelo menos não contribuir mais para toda esta insanidade?
Você pode achar que não, mas se você parar e investigar sua vida, você verá que está contribuindo para tudo isso com suas atitudes, mesmo que seja sem querer.
Por exemplo, podemos falar de cultura. O que os artistas estão produzindo?
Creio que na urgência do momento que estamos vivendo a arte e a cultura como apenas entretenimento, intelectualidade e estética só serve para distrair mais nossas mentes e corações da atual situação da humanidade e para o seu futuro sombrio. Enquanto nos distraímos com nossas canções de amor e as novas tendências e expressões culturais (ou mesmo querendo preservar as tradicionais), o futuro do planeta e de seus habitantes está sendo roubado.
A arte pela arte, em muitos casos, é apenas mais um fator de insatisfação e alienação do ser humano e no pior de todos mais um fator de poluição e exploração do planeta.
Creio que se não mudarmos nossa maneira de viver agora, em breve não haverá mais ninguém ou nenhuma condição para se sensibilizar e contemplar uma obra de arte.
Talvez todo o problema da nossa incapacidade de mudar nossas atitudes esteja no fato “da dificuldade que o ser humano tem para enxergar a verdade quando seu salário depende de não vê-la”, como diz Marcos Sá Correa em artigo no Estadão sobre o documentário “Uma Verdade Inconveniente”.
Realmente, se refletirmos bem e investigarmos todas as conexões que alimentam esse mundo insano e tentarmos não compactuar com tudo isso em nossas atividades profissionais e sociais, parece que teremos que sentar onde estamos, neste exato momento, e não fazer mais nada. E talvez essa não seja uma má idéia.
Mas não é só o salário que torna esta triste verdade algo inconveniente. Não é só pelo dinheiro que estamos aprisionados nesta roda de sofrimento. Há também tudo aquilo a que nos agarramos para nos sentirmos um pouco mais seguros de nós mesmos, aquilo que nós chamamos de nossas realizações, conquistas, “sensações gratificantes” e coisas que nos dão um sentido de viver.
Será que são essas coisas os alicerces de nossa prisão?
Cada um que tire suas conclusões, mas, ao que parece, estamos viciados num estilo de vida insustentável e não sabemos como parar.Aliás, você poderia me informar onde é que fica os “Humanos Anônimos”?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Segredo de Quem Somos Nós

Ano passado o filme “Quem somos nós” fez enorme sucesso entre pessoas que conheço e no público em geral.
Na época, muitos ficaram bastante excitados com o fato de um filme como este estar em cartaz nos cinemas. Quando uma amiga me perguntou se tinha gostado do filme, respondi que achei esquisito o tipo de mensagem que se buscava passar através de estudos científicos da física quântica e da neurociência aliados a espiritualidade. Achei que eles forçavam um pouco a barra para tentar corroborar uma visão espiritual. E quando fui pesquisar na internet “quem eram eles” (pois, durante o filme não se sabe quem está falando), vi que não estava enganado quanto a uma possível confusão pseudo-científica espiritual.
Quando “Quem somos nós” foi lançado alguns membros da comunidade científica mundial afirmaram: “O filme é um atentado contra a ciência. É obviamente falho e completamente sem dados. Estou particularmente preocupado com a cena em que a protagonista lança longe seus remédios. Esta idéia ‘new-age’, de que o pensamento positivo pode substituir a medicina é especialmente perigosa”, diz Raj Persaud, psiquiatra no Maudsley Hospital em Londres. Tim Evans, da Universidade de Londres, disse que “O filme é perigoso porque explora o desejo genuíno das pessoas em entender as grandes questões da vida e dá às respostas uma falsa aparência científica”. (The Guardian)
Recentemente outro filme com o mesmo teor apareceu nas telas dos cinemas, sendo até capa da revista Veja. “O Segredo” é como um “Quem somos nós II”, trazendo, ao meu ver, além de uma deturpação científica, uma deturpação filosófica com citações de filósofos, cientistas e mestres espirituais fora do seu contexto, forçando, mais uma vez, a barra para provar o tipo de espiritualidade proposta pelos produtores do filme.
Acho delicado abordar esta questão porque lida com as crenças das pessoas e além do mais, “quem sou eu”? Mas, chegou em minhas mãos um texto de Ken Wilber, respeitado filósofo, cientista e místico, falando sobre o filme “Quem somos nós” que serve como um ponto de vista a ser refletido sobre estes filmes que misturam ciência, filosofia e espiritualidade.
Wilber é considerado no meio acadêmico mundial o “Einstein da Consciência” por sua síntese das tradições psicológicas, filosóficas e espirituais do Oriente e do Ocidente.
Se vocês desejarem ler (em inglês) a matéria do The Guardian na íntegra, entre na página da internet:
http://www.guardian.co.uk/life/science/story/0,12996,1484799,00.html
Se desejarem saber mais das idéias de Ken Wilber entre no site: http://www.ariray.com.br
E se desejarem ver estes filmes, eu desejo boa sorte em suas reflexões.
E deixo vocês agora com Wilber e sua crítica.
Alexandre Saioro

Crítica de Ken Wilber
(Excerto do livro Integral Spirituality)
tradução: Ari Raynsford
“O surpreendente sucesso desse filme independente mostra simplesmente como as pessoas estão necessitadas de algum tipo de validação para uma visão-de-mundo mais espiritual e mística. Mas os problemas com ele são tão grandes, a ponto de ser difícil saber por onde começar. What the Bleep (Quem somos nós?) foi montado a partir de uma série de entrevistas com físicos e místicos, todos fazendo afirmações ontológicas sobre a natureza da realidade e sobre o fato que – sim, adivinhe – “você cria sua própria realidade”. Mas você não cria sua própria realidade; quem faz isto são os psicóticos. Há no mínimo seis importantes escolas de física moderna e nenhuma delas concorda com as afirmações genéricas e radicais apresentadas no filme.
Nenhuma escola de física acredita que um ser humano possa colapsar a equação da onda de Schroedinger em 100% dos átomos de um objeto de modo a “trazê-lo” para a existência. A física é simplesmente terrível nesse filme, e o misticismo não fica atrás, sendo aquele de uma pessoa (“Ramtha”) que afirma ser um guerreiro de trinta e cinco mil anos de idade proveniente da Atlântida. Nenhum dos entrevistados é identificado enquanto fala, pois o filme deseja passar a impressão de que todos são cientistas muito conhecidos e respeitados. O resultado líquido é um misticismo new age (do tipo “seu ego está encarregado de tudo”) com uma física deplorável (tudo numa forma de mingau Paradigma-415; mesmo SE uma mente humana fosse necessária para “trazer” para a existência um objeto – e até David Bohm discorda dessa idéia fosfórica! – mas mesmo se, o ponto seria que essa Grande Mente estaria “trazendo” para a existência TODA a manifestação momento a momento – não apenas trazendo seletivamente para a existência uma coisa em vez de outra, tal como um carro novo, um emprego ou uma promoção – que é exatamente o que o filme afirma; novamente, isso é filosofia do sujeito sob o efeito de esteróides, também conhecida como boomerite).
Física ruim e misticismo fosfórico: as pessoas estão famintas desse tipo de coisa; Deus as abençoe.
Entre o modernismo (e o materialismo científico) e o pós-modernismo (e a negação da profundidade), não sobra nada para alimentar a alma; assim, What the Bleep (Quem somos nos?) teria de ser recebido com um reconhecimento febril. Desculpe-me por ser tão severo com ele, já que, sem dúvida, as intenções são decentes; mas é exatamente esse tipo de bobagem que gera uma inacreditável má fama para o misticismo e a espiritualidade entre os cientistas reais, todos pós-modernistas, e entre as pessoas que conseguem ler sem mover os lábios.”