domingo, 3 de junho de 2007

A verdade inconveniente de cada dia

Quando vejo que muitas das coisas (senão tudo) que identifico de errado no mundo eu vejo também em mim. Quando vejo que a agressão, o maniqueísmo, a arrogância, o desejo de levar vantagem em tudo (certo?), a falta de compaixão e de generosidade passeiam nos meus pensamentos, nas minhas falas e minhas ações, como posso querer resolver algum problema no mundo?
É conveniente vermos todos os problemas sociais como algo a ser transformado fora de nós mesmo. É mais fácil tentar mudar os outros do que a nós mesmos. É menos incômodo vermos outras pessoas, as instituições e o governo como a causa dos nossos problemas do que reconhecer que cada um de nós é o nosso próprio problema. Onde realmente estão nossos problemas? E onde podem estar as soluções?
Cada vez mais tenho visto como o outro (e quando digo "o outro" quero dizer tudo aquilo que vejo que não sou) tem se mostrado como um espelho para eu reconhecer o que tenho dentro de mim, como se ele manifestasse aquilo que já fui, ou mesmo, que ainda sou. Às vezes a colheita do que plantamos é instantânea. Nessas horas, me sinto como aquele juiz do filme "Traffic" (se você não viu este filme, veja) que quando vai discursar como o novo chefe do serviço de combate às drogas dos EUA, sai da sala e desiste de tudo para cuidar da filha viciada em heroína, dizendo:
"Se há uma guerra contra as drogas, então muitos de nossos familiares são o inimigo. E não sei como se guerreia com a própria família."
Eu me arrisco a ir um pouco mais além e dizer que se há uma guerra a ser travada contra alguma coisa neste mundo, nós somos o inimigo. E será que nós sabemos guerrear contra nós mesmos? Será que sabemos ver o conflito que há entre nossos diversos "eus", se digladiando para ter algum espaço em nossa vida, e ter a habilidade de pacificá-los e harmonizá-los de forma a não gerarem cada vez mais sofrimento?
Não há como trazermos algum benefício para o mundo e para nós mesmos se não desenvolvermos habilidades e competências emocionais para isso.
Outro dia, li um texto do físico e filósofo da ciência Alan Wallace, doutor em estudos religiosos pela Universidade de Stanford, que sintetiza bem tudo que estou tentando dizer, e que acho de extrema relevância para este momento que estamos vivendo.
"Se uma pessoa deseja solucionar os problemas do mundo, é muito importante que essa pessoa comece consigo mesma, tentando solucionar e curar os problemas dentro da sua própria mente. Se tentamos resolver os problemas do mundo sem ter reduzido as tendências pessoais de apego e aversão na nossa mente, então, ao mesmo tempo que vamos talvez conseguir solucionar alguns dos problemas, provavelmente agravaremos ou criaremos alguns outros.
E esse, infelizmente, foi o caso de muitos revolucionários na história humana, que reconheceram as injustiças sociais, econômicas e muitos outros tipos de problemas políticos e sociais. Mas, ocasionalmente, eles tentaram resolver esses problemas sem a compreensão necessária. Suas mentes estavam propensas a emoções, como ódio, orgulho, egoísmo e confusão. Mesmo muitos deles tendo tido sucessos e criado revoluções, estas acabaram por gerar outros problemas, possivelmente não diminuindo o sofrimento humano, tampouco reduzindo a destruição do meio ambiente. Portanto, é muito importante não nos deixarmos cair no cinismo, ou apatia, ou desespero. Ao mesmo tempo, se desejamos trazer mudanças benéficas, positivas, para a humanidade, é muito importante começarmos conosco mesmos; é importante começarmos essas mudanças no nosso coração e na nossa mente. Temos muito pouco controle sobre o que acontece no resto do mundo, mas, no mínimo, deveríamos ter a habilidade de começar produzindo no nosso coração, na nossa mente e no nosso comportamento, nas nossas ações, as mudanças benéficas que gostaríamos de ver no mundo
."
Isso não quer dizer que não devamos agir externamente para ajudar a resolver nossos problemas sociais e globais, mas precisamos estar muito atentos em como está nossa mente em nossas atividades. Como diz Chagdud Rinpoche:
"Ao encontrar os poderosos do mundo, sentados sobre suas máquinas de guerra, considere-os com estrita equanimidade. Argumente tão bem quanto você for capaz, mas esteja constantemente alerta para o estado de sua mente. Se começar a sentir raiva, recue. Se puder continuar sem raiva, talvez penetre no delírio terrível que causa a guerra e todos os seus sofrimentos infernais. Do claro espaço de sua paz interior, a compaixão deve se expandir para incluir todos os envolvidos na guerra – os soldados, apanhados pelo karma cruel de matar, que sacrificam seu renascimento precioso; os generais e políticos que querem trazer benefícios, mas causam destruição e morte; os civis, que são feridos, mortos e se tornam refugiados. A verdadeira compaixão é absolutamente neutra e abarca todos os tipos de sofrimento, sem se prender a certo ou errado, apego ou aversão".
Seria muito útil se nos lembrássemos deste conselho todos os dias, em todos os momentos. Sempre que nosso hábito de projetar a causa de nosso sofrimento fazer surgir a raiva e a indignação, podemos parar e investigar se a raiz daquela situação não pode estar também em nossa mente e coração naquele momento. Como diz um ditado tibetano, isso seria como matar o peixe para alimentar o cachorro.
Creio que não haverá solução para nenhum problema no mundo se nos esquecermos das palavras de dois mestres da humanidade:
Buda: "É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios; é muito difícil enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro" .
Jesus: "Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão: deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei corrigir o teu erro de visão? Hipócrita, tira primeiro o engano da tua visão, e só então poderás tirar o cisco do teu companheiro".

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog
http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

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