Em algum momento de nossas vidas podemos começar a questionar se podemos confiar nas coisas do mundo para obtermos felicidade, paz e harmonia duradouras. O caráter efêmero, impermanente e fugaz de nossas experiências nos mostra que elas nos escaparão em algum momento, mesmo que esse momento seja somente no momento de nossa morte.
Muitas pessoas costumam ter este tipo de questionamento após alguma experiência traumática de perda e sofrimento. Mas, às vezes, ele pode surgir apenas pela observação crítica do caráter não confiável de nossas conquistas sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais.
Percebendo a constante insatisfação que a vida “mundana” nos proporciona podemos acabar nos voltando para as questões espirituais, buscando as soluções para nosso sofrimento nos aspectos transcendentes da vida.
Todo este questionamento é muito saudável, podendo nos trazer mais lucidez para não sermos eternas vítimas das falsas promessas que uma visão ilusória do mundo nos oferece. Mas, o que, normalmente, vemos quando iniciamos este movimento é que acabamos nos relacionando com as coisas espirituais com a mesma mentalidade materialista com que nos relacionamos com as coisas do mundo. Ou seja, caímos no que é chamado de materialismo espiritual.
Ao invés de buscarmos adquirir mais dinheiro, fama, sucesso, relacionamentos, etc., buscamos adquirir capacidades e poderes espirituais, clarividência e contatos com seres e mundos superiores ou simplesmente buscamos a salvação, a paz, a harmonia e todo o tipo de satisfações idealizadas e preconcebidas. Nos voltamos para a oração, a meditação e diversas “ciências espirituais” da mesma forma que nos voltamos para os diversos instrumentos e ciências mundanas para encontrarmos a felicidade.
Desta forma, mudamos apenas os objetos na busca de satisfação e realização de nossa ambição. Não percebemos que talvez a espiritualidade seja mais do que isso. Que vá além da satisfação de nosso ego e que, na verdade, vá contra a correnteza que nos impulsiona para o engrandecimento de nosso eu.
Nas palavras de Chogyam Trungpa: “O percurso correto do caminho espiritual é um processo muito sutil e não alguma coisa que possamos atirar-nos ingenuamente. Existem numerosos desvios que levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade; podemos iludir-nos imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente quando, na verdade, não fazemos senão fortalecer nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais. A essa distorção básica pode dar-se o nome de materialismo espiritual”.
“Se formos bem sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa ‘Egoidade’.”
(Além do Materialismo Espiritual - Chogyam Trungpa – Ed. Cultrix)
Não são poucos os exemplos de tal desvio em diversas propostas espirituais que encontramos no grande (e lucrativo) “supermercado espiritual” oferecido atualmente. Da mesma forma, podemos ver também tais desvios em visões espirituais bem intencionadas que trazem até mesmo um certo benefício, mas que não diferem muito da mentalidade comum de proporcionar mais uma aquisição para o ego.
Um exemplo disto está em caminhos espirituais que adotam até um certo tipo de compaixão como motivação para o desenvolvimento de capacidades espirituais transcendentes e “superiores” e que confundem uma realização de iluminação com essas aquisições espirituais. Desta forma, tanto a compaixão como as qualidades e poderes espirituais se tornam novas formas de satisfazer a necessidade de importância do ego; algo com que ele se identifica e busca preservar. Muitas vezes, nesta busca de preservação, qualquer coisa que ameace este “eu espiritual” e uma visão idealizada da vida e da realidade deve ser combatida. Iniciamos uma cruzada espiritual contra as “energias negativas” e “forças involutivas” transpondo para um plano mais sutil um tipo de agressão não muito diferente da que vemos em nosso mundo cotidiano. Tal perspectiva (e são muitas; das mais grosseiras as mais sutis) acaba servindo para o fortalecimento do orgulho e da confusão com a idéia de serviço a um mundo espiritual que apenas sofistica e sutiliza o sofrimento, mas não libera os seres completamente do eterno conflito dualista.
Você pode estar se perguntando então qual caminho espiritual que não cai nas malhas do materialismo espiritual?
Creio que ao nos voltarmos para um caminho espiritual seja inevitável nos envolvermos inicialmente com o materialismo espiritual. Parece que precisamos ainda ser seduzidos através de nossos hábitos dualistas para podermos ir além deles. O cerne do materialismo espiritual está na confusão dualista. O dualismo na percepção de eu e outro, na idéia do bem e do mal, do conflito entre o espiritual e o mundano. Então temos que estar atentos a este tipo de armadilha.
Qualquer caminho espiritual que adote esta mentalidade como sua sabedoria última está comprometido com o materialismo que envolve o conflito e o sofrimento do ego que se identifica com uma visão parcial e relativa da realidade tomando isto como algo absoluto e que busca, luta e foge para manter esta identidade.
Se há uma espiritualidade autêntica que não caia nesta mentalidade, será uma espiritualidade que conduza ao fim da dualidade e não a uma sofisticação dela, com a projeção de mundos e seres espirituais superiores a serem aspirados e alcançados e de energias e seres negativos externos a nós a serem temidos e combatidos. Afinal, podemos chegar a conclusão de que se há um demônio a ser “combatido”, este é o demônio da dualidade que tem como seu castelo o nosso eu.
Muitas pessoas costumam ter este tipo de questionamento após alguma experiência traumática de perda e sofrimento. Mas, às vezes, ele pode surgir apenas pela observação crítica do caráter não confiável de nossas conquistas sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais.
Percebendo a constante insatisfação que a vida “mundana” nos proporciona podemos acabar nos voltando para as questões espirituais, buscando as soluções para nosso sofrimento nos aspectos transcendentes da vida.
Todo este questionamento é muito saudável, podendo nos trazer mais lucidez para não sermos eternas vítimas das falsas promessas que uma visão ilusória do mundo nos oferece. Mas, o que, normalmente, vemos quando iniciamos este movimento é que acabamos nos relacionando com as coisas espirituais com a mesma mentalidade materialista com que nos relacionamos com as coisas do mundo. Ou seja, caímos no que é chamado de materialismo espiritual.
Ao invés de buscarmos adquirir mais dinheiro, fama, sucesso, relacionamentos, etc., buscamos adquirir capacidades e poderes espirituais, clarividência e contatos com seres e mundos superiores ou simplesmente buscamos a salvação, a paz, a harmonia e todo o tipo de satisfações idealizadas e preconcebidas. Nos voltamos para a oração, a meditação e diversas “ciências espirituais” da mesma forma que nos voltamos para os diversos instrumentos e ciências mundanas para encontrarmos a felicidade.
Desta forma, mudamos apenas os objetos na busca de satisfação e realização de nossa ambição. Não percebemos que talvez a espiritualidade seja mais do que isso. Que vá além da satisfação de nosso ego e que, na verdade, vá contra a correnteza que nos impulsiona para o engrandecimento de nosso eu.
Nas palavras de Chogyam Trungpa: “O percurso correto do caminho espiritual é um processo muito sutil e não alguma coisa que possamos atirar-nos ingenuamente. Existem numerosos desvios que levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade; podemos iludir-nos imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente quando, na verdade, não fazemos senão fortalecer nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais. A essa distorção básica pode dar-se o nome de materialismo espiritual”.
“Se formos bem sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa ‘Egoidade’.”
(Além do Materialismo Espiritual - Chogyam Trungpa – Ed. Cultrix)
Não são poucos os exemplos de tal desvio em diversas propostas espirituais que encontramos no grande (e lucrativo) “supermercado espiritual” oferecido atualmente. Da mesma forma, podemos ver também tais desvios em visões espirituais bem intencionadas que trazem até mesmo um certo benefício, mas que não diferem muito da mentalidade comum de proporcionar mais uma aquisição para o ego.
Um exemplo disto está em caminhos espirituais que adotam até um certo tipo de compaixão como motivação para o desenvolvimento de capacidades espirituais transcendentes e “superiores” e que confundem uma realização de iluminação com essas aquisições espirituais. Desta forma, tanto a compaixão como as qualidades e poderes espirituais se tornam novas formas de satisfazer a necessidade de importância do ego; algo com que ele se identifica e busca preservar. Muitas vezes, nesta busca de preservação, qualquer coisa que ameace este “eu espiritual” e uma visão idealizada da vida e da realidade deve ser combatida. Iniciamos uma cruzada espiritual contra as “energias negativas” e “forças involutivas” transpondo para um plano mais sutil um tipo de agressão não muito diferente da que vemos em nosso mundo cotidiano. Tal perspectiva (e são muitas; das mais grosseiras as mais sutis) acaba servindo para o fortalecimento do orgulho e da confusão com a idéia de serviço a um mundo espiritual que apenas sofistica e sutiliza o sofrimento, mas não libera os seres completamente do eterno conflito dualista.
Você pode estar se perguntando então qual caminho espiritual que não cai nas malhas do materialismo espiritual?
Creio que ao nos voltarmos para um caminho espiritual seja inevitável nos envolvermos inicialmente com o materialismo espiritual. Parece que precisamos ainda ser seduzidos através de nossos hábitos dualistas para podermos ir além deles. O cerne do materialismo espiritual está na confusão dualista. O dualismo na percepção de eu e outro, na idéia do bem e do mal, do conflito entre o espiritual e o mundano. Então temos que estar atentos a este tipo de armadilha.
Qualquer caminho espiritual que adote esta mentalidade como sua sabedoria última está comprometido com o materialismo que envolve o conflito e o sofrimento do ego que se identifica com uma visão parcial e relativa da realidade tomando isto como algo absoluto e que busca, luta e foge para manter esta identidade.
Se há uma espiritualidade autêntica que não caia nesta mentalidade, será uma espiritualidade que conduza ao fim da dualidade e não a uma sofisticação dela, com a projeção de mundos e seres espirituais superiores a serem aspirados e alcançados e de energias e seres negativos externos a nós a serem temidos e combatidos. Afinal, podemos chegar a conclusão de que se há um demônio a ser “combatido”, este é o demônio da dualidade que tem como seu castelo o nosso eu.
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