terça-feira, 1 de abril de 2008

Sem apreciação, não tem solução

Há (e sempre houve) um problema. Um problema que a cada instante vem se tornando cada vez maior na medida em que a ignorância disfarçada de inteligência vem buscando soluções paliativas que nada resolvem realmente.
Talvez este problema seja o pecado original que é cometido em cada momento de nossa vida, dominada pelo conhecimento condicionado por um sentimento conflituoso que nos faz temer e esperar algo melhor ou pior do que é o agora. E, assim, consumimos nossa preciosa vida em intermináveis repetições desta busca/fuga numa prisão cíclica imposta somente por nós mesmos.
Em outras palavras, podemos dizer que a raiz de nossos problemas é nossa falta de apreciação.
Por exemplo, você consegue parar e apreciar o agora? Sim, agora, do jeito que as coisas estão, sem mudar nada. Não importa o que esteja acontecendo ou o que possa acontecer ou aconteceu. Consegue?
Se não consegue este é o problema, ou melhor, a causa de todos os seus problemas, inclusive do aquecimento global.
Quando digo apreciação, não é no sentido de análise ou julgamento. Aliás isso nós temos até demais. A apreciação que nos falta é o puro olhar, aberto e receptivo que nos faz valorizar o que quer que esteja acontecendo.
Para termos tal apreciação é preciso parar com o nosso vício em selecionar as coisas em desejáveis e não desejáveis e descobrir o que é bom em cada momento. Mas isso só é possível se deixarmos as nossas idéias concebidas do que é bom ou ruim. E para a maioria de nós isso é loucura.
Quando falei do pecado original no início do texto eu me referia a como estamos comendo a fruta da árvore do conhecimento e julgando o bem e o mal a cada instante. É desta forma que a todo momento nos afastamos da capacidade de percebermos a perfeição e pureza do agora. Esta forma de percepção equivocada se tornou um vício a tal ponto de não vermos outra forma de viver.
Mas creio que podemos e devemos recuperar a lucidez perdida. Este tem sido o papel da espiritualidade humana ao longo dos tempos. E o que se vê hoje é que a necessidade de se recuperar esta lucidez não é mais um luxo religioso. Hoje se tornou, ao meu ver, o fator principal da sobrevivência da humanidade.
Hoje as consequências da percepção distorcida da realidade ganhou um poder tão grande que já ameaça a existência da vida no planeta. Nossa doentia busca por satisfação está nos matando.
Mas o que seria esta lucidez? O que é a mesma coisa que perguntar: Como encontar a paz?
Acredito que a resposta está no exercício da apreciação. E poderíamos traçar um roteiro deste exercício numa sequência em que nos dispuséssemos a olhar, contemplar e amar.
Primeiramente, olhar. Antes de rejeitar ou desejar, olhe. Dê espaço. Isso diz respeito a não cair na armadilha da reação, do condicionamento e do preconceito. Olhe aberto. Este primeiro passo é importantíssimo e requer uma boa dose de destemor e de ousadia. Sem isso não tem como irmos em frente. Isto porque estamos o tempo todo nos relacionando com as coisas partindo de uma insegurança que trazemos conosco desde o momento em que nos percebemos como "eu". E para ver de outra forma é preciso desafiar este olhar inseguro e descobrir o que é contemplar.
Avançando neste desafio, podemos contemplar, permitir que o outro se manifeste e permitir que nos comuniquemos com o que está se manifestando. Através desta comunicação destemida podemos ver as qualidades que se apresentam no momento, sem julgamento. Desta forma, podemos apreciar a energia que está presente. A energia é isenta de bem ou mal, de gosto e não gosto, de quero e não quero. É pura.
Ao nos familiarizarmos cada vez mais com esta nova forma de comunicação ganhamos confiança, o que nos permite relaxar diante das situações e vê-las com clareza e precisão. Nisso tudo há uma inteligência tremenda se desenvolvendo e é dela que é possível verdadeiramente apreciar o momento. E é desta apreciação que é possível amar.
Este amor é a raiz de nossa felicidade, pois não é uma amor que deseja ou rejeita, é apenas o amor que reconhece a perfeição do momento. Podemos dizer que esta felicidade é sinônimo de liberdade. Liberdade para estarmos onde estivermos sem a necessidade de mudar, acrescentar ou retirar algo. Ou seja, apreciar o agora. E nessa situação não há problemas.
Não sei se vocês concordam comigo, mas creio que esta apreciação é a real solução para o aquecimento global. Porque se aprendermos a apreciar o que temos em cada momento, mais satisfeitos estaremos com nossas vidas. E se estamos satisfeitos não temos tanta cobiça por coisas ou experiências. Nossa vida se torna muito mais simples. Não precisamos consumir tantas coisas e desejar sempre coisas novas ou fazer tantas coisas para sentirmos um pouco de felicidade passageira. Desta forma, usaremos menos recursos naturais, não levando a exaustão o equilíbrio ecológico do planeta.
Ao meu ver, não adianta muito promover reciclagem, novos materiais ou combustíveis para satisfazer nossas mentes equivocadas e movimentar este pernicioso sistema de vida que a sociedade moderna vem desenvolvendo. Pois, se não aprendermos a olhar, contemplar e amar o nosso momento presente, estaremos ainda condenados a prisão perpétua da eterna insatisfação que exige sempre mais alguma coisa para, ilusoriamente, nos sentirmos bem. Este é o verdadeiro problema: nossas mentes. Nossas mentes em conflito, em insatisfação, sempre com novas idéias sobre coisas que são importantes, mas que no final se tornam tediosas e sem atrativos. O problema não está no sistema vigente, no consumismo, nos governos, pois nada disso existiria se nossas mentes não perpetuassem o círculo viciosos de nossa visão equivocada.
E a grande notícia é que o mundo não precisa mudar para você mudar esta visão equivocada. A liberdade disso tudo só depende de você. Do seu destemor e ousadia em achar um caminho para aprender a olhar, contemplar e amar.
Então, finalmente, não importa o que esteja acontecendo, você poderá apreciar a vida e saber que sempre tudo esteve bem.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

A Virtude da Solidão

A solidão para muitos é um terrível mal. Para outros, algo que se pode suportar com algumas distrações. Poucos conseguem extrair da solidão algo que os enriquecem. Alguns escolhem momentos de solidão para descansar, refletir ou buscar um equilíbrio em suas vidas. Mas e quando não escolhemos a solidão?
Se pensarmos bem veremos que com relação a solidão nós não temos escolha. Na verdade, a solidão é inerente a nossa existência. Você já parou para pensar que ninguém nunca saberá realmente o que é ser o que somos? Que por mais que nos sintamos ligados a alguém, nós também nunca saberemos o que esta pessoa é ?
Mesmo assim, nós fazemos de tudo para não nos sentirmos sós. Mas, o que não percebemos é que estamos sempre sós e a nossa vã tentativa de fugir desta solidão básica com nossas distrações apenas nos faz sofrer. E enquanto continuarmos fugindo da solidão não vamos descobrir o que ela é, e o que nós somos. Você já experimentou ficar parado alguns minutos sem buscar uma distração? Já experimentou ficar em casa sozinho sem ligar a televisão, colocar um cd para escutar ou pegar alguma coisa para ler, e apenas ficar consigo mesmo?
Parece que temos que ter uma tremenda coragem para dar um tempo nas tantas atrações e distrações da vida cotidiana e ficarmos mais receptivos ao que se passa em nosso interior. Uma coisa que não ajuda muito também é a nossa sociedade de consumo com seus ininterruptos estímulos para que nos sintamos insatisfeitos ou achando que podemos ser muito mais do que somos; o que, no final, é a mesma coisa. Atualmente, ficar contente com o que apenas se é é quase um ato subversivo; uma grande ameaça para a economia e o crescimento do país. Somos estimulados a buscar e agregar sempre novos elementos para nossa felicidade, pois o que temos nunca é suficiente. O que não vemos neste processo é que vamos destruindo a nossa capacidade de apreciação, nos tornando, na verdade, cada vez mais miseráveis. Uma das formas que vejo para saírmos deste esquema empobrecedor é descobrir a virtude da solidão. Quando exploramos e nos aprofundamos em nossa solidão básica, podemos começar a expandir o nosso sentido de participação e apreciação. Tornamo-nos mais sensíveis a pequenas coisas que antes nos passariam despercebidas. E estas “pequenas coisas” nos mostram o quanto podemos apreciar a vida em cada detalhe e em sua totalidade.
A virtude da solidão está em termos a oportunidade de olharmos nossa experiência como ela é sem querer nos esquivar com subterfúgios e sem tentar manipular situações e pessoas segundo nossas tendências habituais e falsas necessidades . Podemos, então perceber um sentido de vida mais abrangente semelhante ao do primeiro homem descrito por Laurens Van der Post em “Patterns of Renewall”:
“O primeiro homem vivia numa intimidade extraordinária com a natureza. Não havia lugar algum de que ele não se sentisse parte. Não tinha... nada desse sentido medonho de não pertencer, de isolamento, de inexpressividade, que tanto devasta o coração dos homens modernos. Aonde quer que fosse, ele pertencia ao lugar e, o que era mais importante, aonde quer que fosse, sentia-se conhecido... Conheciam-no as árvores; os animais o conheciam como eles o conhecia; conheciam-no as estrelas. Era tão vívido o seu sentido de relacionamento que ele podia falar do “nosso irmão, o abutre”. Erguia os olhos para as estrelas e falava de “Vovô Sírio”... porque era este o mais alto título honorífico que podia conceder.”
Isso tudo pode parecer muito bonito colocado em palavras, mas nos pede um bocado de trabalho. Pois, teremos que lidar com a maneira que vemos a nós mesmos e ao mundo. Creio que isso diz respeito a duas forças que se realimentam constantemente dentro de nós. Uma é a nossa tendência habitual de nos agarrarmos a alguma coisa que nos dê segurança e confirme nossas ilusórias certezas. E a outra é a força da cultura que criamos para nos proteger da incerteza e insegurança do mundo. Quando digo cultura estou falando de todo o sistema de crenças e valores sejam eles familiares, grupais, nacionais, estéticos, etc.
É a cultura que nos dá uma identidade, um sentido de vida e os elementos que aparentemente nos protegem da dura verdade da morte que espreita tudo a que nos identificamos. Parece que a cultura é uma tentativa de burlar a morte; de confirmar que apesar de tudo somos alguma coisa que permanece mesmo depois da morte. Mas nada na vida permanece e para amenizar esta discordância com a vida, seguimos iludidos pela nossa cultura. Mas esta ilusão restringe cada vez mais nossa capacidade de viver plenamente as coisas como elas são, simplesmente pelo que elas são e não pelo que achamos que elas nos dão.
Você pode achar que eu estou falando que muito do nosso problema está naquilo que tantos se orgulham: a cultura. Mas, se refletirmos um pouco mais veremos que a cultura é fruto da nossa insegurança que é fruto da ignorância sobre nossa realidade. Então, uma real mudança não é uma questão de uma troca de culturas, se bem que podemos ver que algumas são menos doentias do que outras. Toda a cultura têm seus conceitos, crenças e valores. Mas o problema também não está aí. O problema começa quando nos aferramos a isso tudo como “A Verdade”. É aí que perdemos nossa lucidez, perdemos nossa liberdade para nos relacionarmos com o mundo e com as coisas como elas são. Por isso a solidão é tão dolorosa para muitos de nós, porque ela é a perda de algo que nos dava uma identidade e um sentido de vida, mas e é exatamente aí nesta perda que está a oportunidade de alcançar uma liberdade maior. Na busca por uma identidade almejamos congelar a realidade, mas a realidade é mudança, fluidez, e nós somos isso também, só que vivemos querendo ignorar este fato, daí nosso sofrimento. Somos como um cubo de gelo num lago que se recusa em derreter.
Reservar momentos de solidão pode ser uma forma de parar esta recusa. Nesta solidão, procurar apreciar a riqueza do momento presente é o ponto de partida para travarmos relacionamentos mais saudáveis conosco mesmo e com o mundo. Portanto, reserve alguns minutos ao dia para um encontro com sua solidão básica, ou se puder uma hora ou um dia inteiro; ou, quem sabe, alguns dias, talvez um retiro de um mês. Creio que isso faz muito bem para tornar a solidão uma grande companheira no conhecimento do que nós somos.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com