segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Segredo de Quem Somos Nós

Ano passado o filme “Quem somos nós” fez enorme sucesso entre pessoas que conheço e no público em geral.
Na época, muitos ficaram bastante excitados com o fato de um filme como este estar em cartaz nos cinemas. Quando uma amiga me perguntou se tinha gostado do filme, respondi que achei esquisito o tipo de mensagem que se buscava passar através de estudos científicos da física quântica e da neurociência aliados a espiritualidade. Achei que eles forçavam um pouco a barra para tentar corroborar uma visão espiritual. E quando fui pesquisar na internet “quem eram eles” (pois, durante o filme não se sabe quem está falando), vi que não estava enganado quanto a uma possível confusão pseudo-científica espiritual.
Quando “Quem somos nós” foi lançado alguns membros da comunidade científica mundial afirmaram: “O filme é um atentado contra a ciência. É obviamente falho e completamente sem dados. Estou particularmente preocupado com a cena em que a protagonista lança longe seus remédios. Esta idéia ‘new-age’, de que o pensamento positivo pode substituir a medicina é especialmente perigosa”, diz Raj Persaud, psiquiatra no Maudsley Hospital em Londres. Tim Evans, da Universidade de Londres, disse que “O filme é perigoso porque explora o desejo genuíno das pessoas em entender as grandes questões da vida e dá às respostas uma falsa aparência científica”. (The Guardian)
Recentemente outro filme com o mesmo teor apareceu nas telas dos cinemas, sendo até capa da revista Veja. “O Segredo” é como um “Quem somos nós II”, trazendo, ao meu ver, além de uma deturpação científica, uma deturpação filosófica com citações de filósofos, cientistas e mestres espirituais fora do seu contexto, forçando, mais uma vez, a barra para provar o tipo de espiritualidade proposta pelos produtores do filme.
Acho delicado abordar esta questão porque lida com as crenças das pessoas e além do mais, “quem sou eu”? Mas, chegou em minhas mãos um texto de Ken Wilber, respeitado filósofo, cientista e místico, falando sobre o filme “Quem somos nós” que serve como um ponto de vista a ser refletido sobre estes filmes que misturam ciência, filosofia e espiritualidade.
Wilber é considerado no meio acadêmico mundial o “Einstein da Consciência” por sua síntese das tradições psicológicas, filosóficas e espirituais do Oriente e do Ocidente.
Se vocês desejarem ler (em inglês) a matéria do The Guardian na íntegra, entre na página da internet:
http://www.guardian.co.uk/life/science/story/0,12996,1484799,00.html
Se desejarem saber mais das idéias de Ken Wilber entre no site: http://www.ariray.com.br
E se desejarem ver estes filmes, eu desejo boa sorte em suas reflexões.
E deixo vocês agora com Wilber e sua crítica.
Alexandre Saioro

Crítica de Ken Wilber
(Excerto do livro Integral Spirituality)
tradução: Ari Raynsford
“O surpreendente sucesso desse filme independente mostra simplesmente como as pessoas estão necessitadas de algum tipo de validação para uma visão-de-mundo mais espiritual e mística. Mas os problemas com ele são tão grandes, a ponto de ser difícil saber por onde começar. What the Bleep (Quem somos nós?) foi montado a partir de uma série de entrevistas com físicos e místicos, todos fazendo afirmações ontológicas sobre a natureza da realidade e sobre o fato que – sim, adivinhe – “você cria sua própria realidade”. Mas você não cria sua própria realidade; quem faz isto são os psicóticos. Há no mínimo seis importantes escolas de física moderna e nenhuma delas concorda com as afirmações genéricas e radicais apresentadas no filme.
Nenhuma escola de física acredita que um ser humano possa colapsar a equação da onda de Schroedinger em 100% dos átomos de um objeto de modo a “trazê-lo” para a existência. A física é simplesmente terrível nesse filme, e o misticismo não fica atrás, sendo aquele de uma pessoa (“Ramtha”) que afirma ser um guerreiro de trinta e cinco mil anos de idade proveniente da Atlântida. Nenhum dos entrevistados é identificado enquanto fala, pois o filme deseja passar a impressão de que todos são cientistas muito conhecidos e respeitados. O resultado líquido é um misticismo new age (do tipo “seu ego está encarregado de tudo”) com uma física deplorável (tudo numa forma de mingau Paradigma-415; mesmo SE uma mente humana fosse necessária para “trazer” para a existência um objeto – e até David Bohm discorda dessa idéia fosfórica! – mas mesmo se, o ponto seria que essa Grande Mente estaria “trazendo” para a existência TODA a manifestação momento a momento – não apenas trazendo seletivamente para a existência uma coisa em vez de outra, tal como um carro novo, um emprego ou uma promoção – que é exatamente o que o filme afirma; novamente, isso é filosofia do sujeito sob o efeito de esteróides, também conhecida como boomerite).
Física ruim e misticismo fosfórico: as pessoas estão famintas desse tipo de coisa; Deus as abençoe.
Entre o modernismo (e o materialismo científico) e o pós-modernismo (e a negação da profundidade), não sobra nada para alimentar a alma; assim, What the Bleep (Quem somos nos?) teria de ser recebido com um reconhecimento febril. Desculpe-me por ser tão severo com ele, já que, sem dúvida, as intenções são decentes; mas é exatamente esse tipo de bobagem que gera uma inacreditável má fama para o misticismo e a espiritualidade entre os cientistas reais, todos pós-modernistas, e entre as pessoas que conseguem ler sem mover os lábios.”