domingo, 3 de junho de 2007

A verdade inconveniente de cada dia

Quando vejo que muitas das coisas (senão tudo) que identifico de errado no mundo eu vejo também em mim. Quando vejo que a agressão, o maniqueísmo, a arrogância, o desejo de levar vantagem em tudo (certo?), a falta de compaixão e de generosidade passeiam nos meus pensamentos, nas minhas falas e minhas ações, como posso querer resolver algum problema no mundo?
É conveniente vermos todos os problemas sociais como algo a ser transformado fora de nós mesmo. É mais fácil tentar mudar os outros do que a nós mesmos. É menos incômodo vermos outras pessoas, as instituições e o governo como a causa dos nossos problemas do que reconhecer que cada um de nós é o nosso próprio problema. Onde realmente estão nossos problemas? E onde podem estar as soluções?
Cada vez mais tenho visto como o outro (e quando digo "o outro" quero dizer tudo aquilo que vejo que não sou) tem se mostrado como um espelho para eu reconhecer o que tenho dentro de mim, como se ele manifestasse aquilo que já fui, ou mesmo, que ainda sou. Às vezes a colheita do que plantamos é instantânea. Nessas horas, me sinto como aquele juiz do filme "Traffic" (se você não viu este filme, veja) que quando vai discursar como o novo chefe do serviço de combate às drogas dos EUA, sai da sala e desiste de tudo para cuidar da filha viciada em heroína, dizendo:
"Se há uma guerra contra as drogas, então muitos de nossos familiares são o inimigo. E não sei como se guerreia com a própria família."
Eu me arrisco a ir um pouco mais além e dizer que se há uma guerra a ser travada contra alguma coisa neste mundo, nós somos o inimigo. E será que nós sabemos guerrear contra nós mesmos? Será que sabemos ver o conflito que há entre nossos diversos "eus", se digladiando para ter algum espaço em nossa vida, e ter a habilidade de pacificá-los e harmonizá-los de forma a não gerarem cada vez mais sofrimento?
Não há como trazermos algum benefício para o mundo e para nós mesmos se não desenvolvermos habilidades e competências emocionais para isso.
Outro dia, li um texto do físico e filósofo da ciência Alan Wallace, doutor em estudos religiosos pela Universidade de Stanford, que sintetiza bem tudo que estou tentando dizer, e que acho de extrema relevância para este momento que estamos vivendo.
"Se uma pessoa deseja solucionar os problemas do mundo, é muito importante que essa pessoa comece consigo mesma, tentando solucionar e curar os problemas dentro da sua própria mente. Se tentamos resolver os problemas do mundo sem ter reduzido as tendências pessoais de apego e aversão na nossa mente, então, ao mesmo tempo que vamos talvez conseguir solucionar alguns dos problemas, provavelmente agravaremos ou criaremos alguns outros.
E esse, infelizmente, foi o caso de muitos revolucionários na história humana, que reconheceram as injustiças sociais, econômicas e muitos outros tipos de problemas políticos e sociais. Mas, ocasionalmente, eles tentaram resolver esses problemas sem a compreensão necessária. Suas mentes estavam propensas a emoções, como ódio, orgulho, egoísmo e confusão. Mesmo muitos deles tendo tido sucessos e criado revoluções, estas acabaram por gerar outros problemas, possivelmente não diminuindo o sofrimento humano, tampouco reduzindo a destruição do meio ambiente. Portanto, é muito importante não nos deixarmos cair no cinismo, ou apatia, ou desespero. Ao mesmo tempo, se desejamos trazer mudanças benéficas, positivas, para a humanidade, é muito importante começarmos conosco mesmos; é importante começarmos essas mudanças no nosso coração e na nossa mente. Temos muito pouco controle sobre o que acontece no resto do mundo, mas, no mínimo, deveríamos ter a habilidade de começar produzindo no nosso coração, na nossa mente e no nosso comportamento, nas nossas ações, as mudanças benéficas que gostaríamos de ver no mundo
."
Isso não quer dizer que não devamos agir externamente para ajudar a resolver nossos problemas sociais e globais, mas precisamos estar muito atentos em como está nossa mente em nossas atividades. Como diz Chagdud Rinpoche:
"Ao encontrar os poderosos do mundo, sentados sobre suas máquinas de guerra, considere-os com estrita equanimidade. Argumente tão bem quanto você for capaz, mas esteja constantemente alerta para o estado de sua mente. Se começar a sentir raiva, recue. Se puder continuar sem raiva, talvez penetre no delírio terrível que causa a guerra e todos os seus sofrimentos infernais. Do claro espaço de sua paz interior, a compaixão deve se expandir para incluir todos os envolvidos na guerra – os soldados, apanhados pelo karma cruel de matar, que sacrificam seu renascimento precioso; os generais e políticos que querem trazer benefícios, mas causam destruição e morte; os civis, que são feridos, mortos e se tornam refugiados. A verdadeira compaixão é absolutamente neutra e abarca todos os tipos de sofrimento, sem se prender a certo ou errado, apego ou aversão".
Seria muito útil se nos lembrássemos deste conselho todos os dias, em todos os momentos. Sempre que nosso hábito de projetar a causa de nosso sofrimento fazer surgir a raiva e a indignação, podemos parar e investigar se a raiz daquela situação não pode estar também em nossa mente e coração naquele momento. Como diz um ditado tibetano, isso seria como matar o peixe para alimentar o cachorro.
Creio que não haverá solução para nenhum problema no mundo se nos esquecermos das palavras de dois mestres da humanidade:
Buda: "É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios; é muito difícil enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro" .
Jesus: "Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão: deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei corrigir o teu erro de visão? Hipócrita, tira primeiro o engano da tua visão, e só então poderás tirar o cisco do teu companheiro".

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog
http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A Profecia


Por Alexandre Saioro

Outro dia uma amiga minha me mostrou um material sobre algumas profecias que, segundo ela, já estão dando os seus sinais.
Mudanças do eixo da Terra, alterações no campo magnético, situações catastróficas, uma certa purificação do planeta que traria, em seguida, um mundo de paz e harmonia, etc, etc...
Ao final do seu relato ela desabafa: “É meu amigo, estamos vivendo em tempos difíceis de profundas transformações”.
Há mais de 20 anos escuto falar das profecias da Nova Era.
Passei parte de minha vida convivendo com pessoas e grupos da cultura “new age” e nunca me liguei muito nestas visões e profecias que, de vez em quando, surgiam de mais um livro ou movimento espiritual.
Vi previsões de certos acontecimentos não acontecerem e os que aconteceram não foram nada mais do que coisas previsíveis e normais que fazem parte de um mundo que sempre está em transformação. E quando o mundo não esteve em transformação?
Acontecimentos mundiais traumáticos de grande magnitude que trouxeram mudanças significativas sempre fizeram parte da história da humanidade e do planeta. Por que seria diferente agora ou no futuro?
Diversos povos ao longo da história da humanidade passaram por transformações e viveram tempos difíceis. Tiveram sua ascensão e queda.
Neste exato momento, milhões de seres estão passando por verdadeiras catástrofes, sendo caçados, deformados, torturados e aniquilados como sempre foram. Dos confins do Universo até as profundezas da Terra, mundos estão sendo criados e destruídos.
O que são tempos difíceis? São somente aqueles que nós vemos e vivenciamos?
Se estamos vivendo em tempos difíceis e de profundas transformações, o que não diriam aqueles que viveram na época da Segunda Guerra Mundial ou de qualquer outra época e lugar que houve um acontecimento estarrecedor?
Não estamos vivendo em tempos difíceis. Talvez a vida seja um tempo difícil.
Não precisamos de profecias para saber que vamos passar por um momento de profunda transformação; todos sabemos que um dia vamos morrer e que esse vai ser o tempo mais difícil de nossas vidas se não nos prepararmos para isso. Ou seja, se não nos prepararmos para diminuir nossas expectativas e temores com relação a este mundo efêmero.
Há uma profecia que acredito é a maior de todas e que é infalível: Tudo que começar terá um fim. E não vai adiantar lutar e ficar surpreso com isso.
Creio que todo este alarde sobre profecias tem sua causa em nossa eterna busca vã de estar num lugar totalmente seguro, livre de ameaças e mudanças, juntamente com a nossa necessidade de termos uma certa previsibilidade para nossas vidas.
Temos que começar a ver nós mesmos e o mundo com mais lucidez para darmos os passos certos nas mudanças que sempre acontecerão.
Na verdade, precisamos estar atentos para ver que tipo de mudança realmente é necessário acontecer. Não temos muito como influenciar acontecimentos externos, mas temos total capacidade para promover mudanças interiores que realmente trazem uma profunda transformação em nossa maneira de vivenciar as experiências.
Creio que ao invés de ficarmos esperando pelas soluções de uma hipotética purificação do planeta, deveríamos assumir a nossa real capacidade de mudar a nossa mente e eliminar os venenos que circulam permanentemente por ela.
As pessoas esperam uma Nova Era de paz e harmonia em acontecimentos externos, mas continuam cheias dos velhos medos, desejos, orgulhos e discriminações autocentrados, camuflados por uma pseudo-espiritualidade que mantém a eterna luta dualista do bem e do mal, raiz de todo o nosso sofrimento.
Vejo minha amiga gastando sua energia e o tempo que lhe resta preocupada com profecias e o advento de um suposto novo mundo iluminado, ao invés de olhar para o que ela tem nas mãos e procurar descobrir agora, neste exato momento, uma sabedoria que está além de começos e fins, de velho e novo, de “espiritual” e “mundano”. Com a mente e coração envolvidos pelo medo e pela ansiedade sobre fatos que “sinalizam” a chegada de um caos apocalíptico, ela mantém a esperança de que será uma das escolhidas para viver num futuro novo mundo purificado e divino.
Com certeza, muitas pessoas acham uma loucura toda esta história de profecias, mas se olharmos bem todos nós temos as nossas. Todos nós temos temores, expectativas e palpites com relação ao nosso futuro. Todos queremos e estamos trabalhando por alguma coisa melhor e temos certeza que um dia chegaremos na nossa “Terra Prometida” seja num novo mundo, num novo modelo social, num novo emprego ou num novo relacionamento, e, desta forma, vamos conduzindo nossa vida. Cada qual com suas crenças e seus valores.
Mas será que você em nenhum momento teve a impressão que está o tempo todo correndo atrás (ou fugindo) do próprio rabo?

Procurando uma escada para o céu

Em algum momento de nossas vidas podemos começar a questionar se podemos confiar nas coisas do mundo para obtermos felicidade, paz e harmonia duradouras. O caráter efêmero, impermanente e fugaz de nossas experiências nos mostra que elas nos escaparão em algum momento, mesmo que esse momento seja somente no momento de nossa morte.
Muitas pessoas costumam ter este tipo de questionamento após alguma experiência traumática de perda e sofrimento. Mas, às vezes, ele pode surgir apenas pela observação crítica do caráter não confiável de nossas conquistas sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais.
Percebendo a constante insatisfação que a vida “mundana” nos proporciona podemos acabar nos voltando para as questões espirituais, buscando as soluções para nosso sofrimento nos aspectos transcendentes da vida.
Todo este questionamento é muito saudável, podendo nos trazer mais lucidez para não sermos eternas vítimas das falsas promessas que uma visão ilusória do mundo nos oferece. Mas, o que, normalmente, vemos quando iniciamos este movimento é que acabamos nos relacionando com as coisas espirituais com a mesma mentalidade materialista com que nos relacionamos com as coisas do mundo. Ou seja, caímos no que é chamado de materialismo espiritual.
Ao invés de buscarmos adquirir mais dinheiro, fama, sucesso, relacionamentos, etc., buscamos adquirir capacidades e poderes espirituais, clarividência e contatos com seres e mundos superiores ou simplesmente buscamos a salvação, a paz, a harmonia e todo o tipo de satisfações idealizadas e preconcebidas. Nos voltamos para a oração, a meditação e diversas “ciências espirituais” da mesma forma que nos voltamos para os diversos instrumentos e ciências mundanas para encontrarmos a felicidade.
Desta forma, mudamos apenas os objetos na busca de satisfação e realização de nossa ambição. Não percebemos que talvez a espiritualidade seja mais do que isso. Que vá além da satisfação de nosso ego e que, na verdade, vá contra a correnteza que nos impulsiona para o engrandecimento de nosso eu.
Nas palavras de Chogyam Trungpa: “O percurso correto do caminho espiritual é um processo muito sutil e não alguma coisa que possamos atirar-nos ingenuamente. Existem numerosos desvios que levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade; podemos iludir-nos imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente quando, na verdade, não fazemos senão fortalecer nosso egocentrismo por meio de técnicas espirituais. A essa distorção básica pode dar-se o nome de materialismo espiritual”.
“Se formos bem sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa ‘Egoidade’.”
(Além do Materialismo Espiritual - Chogyam Trungpa – Ed. Cultrix)
Não são poucos os exemplos de tal desvio em diversas propostas espirituais que encontramos no grande (e lucrativo) “supermercado espiritual” oferecido atualmente. Da mesma forma, podemos ver também tais desvios em visões espirituais bem intencionadas que trazem até mesmo um certo benefício, mas que não diferem muito da mentalidade comum de proporcionar mais uma aquisição para o ego.
Um exemplo disto está em caminhos espirituais que adotam até um certo tipo de compaixão como motivação para o desenvolvimento de capacidades espirituais transcendentes e “superiores” e que confundem uma realização de iluminação com essas aquisições espirituais. Desta forma, tanto a compaixão como as qualidades e poderes espirituais se tornam novas formas de satisfazer a necessidade de importância do ego; algo com que ele se identifica e busca preservar. Muitas vezes, nesta busca de preservação, qualquer coisa que ameace este “eu espiritual” e uma visão idealizada da vida e da realidade deve ser combatida. Iniciamos uma cruzada espiritual contra as “energias negativas” e “forças involutivas” transpondo para um plano mais sutil um tipo de agressão não muito diferente da que vemos em nosso mundo cotidiano. Tal perspectiva (e são muitas; das mais grosseiras as mais sutis) acaba servindo para o fortalecimento do orgulho e da confusão com a idéia de serviço a um mundo espiritual que apenas sofistica e sutiliza o sofrimento, mas não libera os seres completamente do eterno conflito dualista.
Você pode estar se perguntando então qual caminho espiritual que não cai nas malhas do materialismo espiritual?
Creio que ao nos voltarmos para um caminho espiritual seja inevitável nos envolvermos inicialmente com o materialismo espiritual. Parece que precisamos ainda ser seduzidos através de nossos hábitos dualistas para podermos ir além deles. O cerne do materialismo espiritual está na confusão dualista. O dualismo na percepção de eu e outro, na idéia do bem e do mal, do conflito entre o espiritual e o mundano. Então temos que estar atentos a este tipo de armadilha.
Qualquer caminho espiritual que adote esta mentalidade como sua sabedoria última está comprometido com o materialismo que envolve o conflito e o sofrimento do ego que se identifica com uma visão parcial e relativa da realidade tomando isto como algo absoluto e que busca, luta e foge para manter esta identidade.
Se há uma espiritualidade autêntica que não caia nesta mentalidade, será uma espiritualidade que conduza ao fim da dualidade e não a uma sofisticação dela, com a projeção de mundos e seres espirituais superiores a serem aspirados e alcançados e de energias e seres negativos externos a nós a serem temidos e combatidos. Afinal, podemos chegar a conclusão de que se há um demônio a ser “combatido”, este é o demônio da dualidade que tem como seu castelo o nosso eu.

Uma Educação para a Felicidade

Creio que a educação é a única forma que o ser humano tem para desenvolver sua capacidade de ser feliz. Por isso, em todos os seus níveis, a educação deveria capacitar o indivíduo para a felicidade.
Infelizmente não é isso que vemos hoje. Tanto na escola como na família a educação tem sido conduzida no sentido do indivíduo conquistar um determinado status profissional, social e financeiro que não necessariamente representa a sua felicidade.
De diversas formas, desde pequeno, são incutidos valores e crenças na vida do indivíduo que ao invés de capacitá-lo para ser feliz o torna, na verdade, mais e mais insatisfeito.
Num sistema social onde o poder econômico e político está interessado mais em ter um ser humano facilmente manipulável do que consciente e lúcido, cabe a educação, e mais especificamente à educação escolar, procurar caminhos para formar um indivíduo com uma mente livre, capaz de conduzir sua vida com sabedoria e habilidade de manifestar felicidade para si e para o seu meio.
Podemos achar que a felicidade não tem uma receita única, que ela é relativa às características de cada indivíduo e que seria muito difícil estabelecer uma educação para a felicidade que servisse para todos. Com certeza, cada indivíduo tem suas necessidades e capacidades próprias com determinados interesses, desejos, aversões, medos e esperanças. Mas, creio que uma educação para a felicidade deveria se concentrar não em ensinar a adquirir, conquistar e possuir determinadas condições e coisas relativas que podem, momentaneamente, proporcionar alegria e felicidade, mas sim, em trazer a compreensão de como criamos esses interesses, desejos, aversões, medos e esperanças, como nos fixamos em obter felicidade de algumas coisas e infelicidade de outras, como nos habituamos a um determinado tipo de percepção da realidade que nos aprisiona em uma forma de ser feliz.
Creio que para termos uma educação para a felicidade é preciso reconhecer a forma equivocada com que temos buscado esta felicidade. É necessário desenvolver uma investigação que nos mostre que dificilmente encontraremos uma felicidade duradoura ao condicioná-la a certas aquisições do mundo sejam elas materiais, emocionais ou intelectuais. Através desta investigação, talvez possamos começar a perceber que a felicidade não está nas condições que geram as experiências de sucesso na vida financeira e profissional, na vida amorosa e familiar, nas instituições, nos movimentos sociais e manifestações culturais. Isto porque estas condições, afinal, são impermanentes, passíveis de mudanças e completamente incertas para nos proporcionar uma felicidade duradoura. Ao mesmo tempo, poderíamos ver que nossa mente também muda constantemente e que aquilo que nos satisfazia ontem já não nos satisfaz hoje e que amanhã isso também irá mudar.
Uma educação para a felicidade deveria nos mostrar como somos o tempo todo influenciados por inúmeros fatores, na maioria das vezes de forma inconsciente, o que torna nossa busca de felicidade algo completamente instável e inseguro. E que, por isso, a busca de atrair ou rejeitar coisas para nossa vida não pode ser fonte de felicidade. Antes deveríamos compreender como e porque criamos estas necessidades e, desta forma, aprender a nos desfazer de nossas fixações para que encontremos uma estabilidade, um equilíbrio e felicidade que não seja dependente das coisas e condições.
Este deveria ser o foco principal da educação, pois ao desenvolvermos essa compreensão e sabedoria poderíamos fazer surgir um indivíduo verdadeiramente livre para exercer sua capacidade de escolha e criatividade. Tal educação deveria se concentrar em buscar formas de apresentar, desde a mais tenra idade até a idade adulta, os caminhos para uma felicidade incondicional.
Ao trazer o conhecimento convencional a escola deveria trazer também esta sabedoria. Capacitar o indivíduo a descobrir a natureza de suas experiências mentais, emocionais e corporais para saber lidar com elas de forma libertadora e, assim, ser verdadeiramente criativa e benéfica para si e para os outros.
Creio que, ao aprendermos a investigar a mente que procura uma suposta satisfação e vermos a ilusão e a futilidade da busca e fuga das coisas do mundo, desenvolvemos uma base interior onde podemos começar a descobrir um estado cada vez mais natural, são e feliz da mente.
Educar para desenvolver esta capacidade de investigação e se familiarizar com esta mente natural é fundamental para que o indivíduo possa manifestar plenamente suas potencialidades, assim como, deixar de ser apenas mais uma peça no jogo das muitas forças (em diversos níveis) que se alimentam da ignorância e do sofrimento no mundo.
Tal educação deveria ter como base não só conhecimentos intelectuais e teóricos mas, principalmente, conhecimentos práticos, utilizando métodos de treinamento da mente para a familiarização com a natureza da mente e o desenvolvimento de competências emocionais como concentração, plena atenção, compaixão, paciência, generosidade, receptividade, flexibilidade, entre outras que facilitassem a descoberta de uma felicidade pessoal incondicional e a convivência pacífica e criativa do indivíduo na sociedade, de forma a trazer benefício e felicidade para todos os seres.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Pára Tudo!

Será que seria possível você parar um pouquinho para dar uma olhada no que você está fazendo da sua vida?
Será que seria possível pararmos para vermos o que estamos fazendo com nossa família, nossos vizinhos, as pessoas a nossa volta e o ambiente ao nosso redor?
Será que seria possível os governantes municipais, estaduais, federais e mundiais pararem um pouquinho para verem o que estão fazendo com a Vida - e isto inclui os seres humanos, animais, insetos, o meio ambiente, enfim tudo que eles escolheram cuidar com seus governos?
Será que seria possível os empresários sejam grandes ou pequenos, assim como os artistas, educadores e profissionais de diversas áreas pararem para se perguntar se estão produzindo algo de útil que ajude as pessoas a serem melhores e o mundo um lugar melhor?
Acho que devíamos nos fazer esta pergunta o tempo todo. Não devíamos fazer nada sem antes checar nossa motivação. Se o que realmente queremos gerar com nossos pensamentos, nossas palavras e nossas ações é algo apenas para nossa satisfação autocentrada ou para um bem maior.
Quando olho para tudo que venho presenciando nos quarenta e poucos anos de vida que tenho neste planeta me vem uma sensação de que as coisas não estão indo muito bem. Dá vontade de dizer: pára tudo que eu quero descer.
Diante de tantas evidências ecológicas, científicas, econômicas, políticas e espirituais de como o futuro nos reserva algo terrível se não mudarmos nossas atitudes, como podemos continuar vivendo da mesma maneira como se nada estivesse acontecendo?
Só para se ter uma idéia de como estamos tão alienados do que está nos acontecendo, podemos falar de energia e recursos naturais. Já é mais que sabido que o nosso estilo de vida moderno é insustentável neste planeta. Para a população mundial ter a vida de um norte-americano, um europeu ou de algum cidadão de um país “desenvolvido” é preciso mais três planetas Terra ou mais.
Mas mesmo sabendo disso o que 99% das pessoas no mundo estão buscando?
O que estamos fazendo quando buscamos ganhar cada vez mais dinheiro e obter mais e mais coisas obcecados por tudo que aparece de novo no mercado? O que estamos querendo quando compramos mais um carro; uma tv, um dvd e um aparelho de som para cada quarto; etc.etc... e em nossa constante insatisfação continuamos querendo mais e mais coisas? O que estamos realmente fazendo com nós mesmos?
Parece que todo o desenvolvimento que a humanidade tem realizado tem tido como força motriz esta insatisfação sem limites e isso só tem se mostrado catastrófico.
A maioria (senão todos) os países ricos e desenvolvidos chegaram nesta situação através da exploração de muitos povos ao longo dos séculos, da manipulação política e econômica em muitos países, do assassinato de milhões de pessoas pela indústria armamentista e da corrupção. Além disso, todo este “desenvolvimento” está levando ao esgotamento e a poluição do planeta.
Será que não dá para parar tudo um pouco e pensar o que podemos fazer para mudar isso ou pelo menos não contribuir mais para toda esta insanidade?
Você pode achar que não, mas se você parar e investigar sua vida, você verá que está contribuindo para tudo isso com suas atitudes, mesmo que seja sem querer.
Por exemplo, podemos falar de cultura. O que os artistas estão produzindo?
Creio que na urgência do momento que estamos vivendo a arte e a cultura como apenas entretenimento, intelectualidade e estética só serve para distrair mais nossas mentes e corações da atual situação da humanidade e para o seu futuro sombrio. Enquanto nos distraímos com nossas canções de amor e as novas tendências e expressões culturais (ou mesmo querendo preservar as tradicionais), o futuro do planeta e de seus habitantes está sendo roubado.
A arte pela arte, em muitos casos, é apenas mais um fator de insatisfação e alienação do ser humano e no pior de todos mais um fator de poluição e exploração do planeta.
Creio que se não mudarmos nossa maneira de viver agora, em breve não haverá mais ninguém ou nenhuma condição para se sensibilizar e contemplar uma obra de arte.
Talvez todo o problema da nossa incapacidade de mudar nossas atitudes esteja no fato “da dificuldade que o ser humano tem para enxergar a verdade quando seu salário depende de não vê-la”, como diz Marcos Sá Correa em artigo no Estadão sobre o documentário “Uma Verdade Inconveniente”.
Realmente, se refletirmos bem e investigarmos todas as conexões que alimentam esse mundo insano e tentarmos não compactuar com tudo isso em nossas atividades profissionais e sociais, parece que teremos que sentar onde estamos, neste exato momento, e não fazer mais nada. E talvez essa não seja uma má idéia.
Mas não é só o salário que torna esta triste verdade algo inconveniente. Não é só pelo dinheiro que estamos aprisionados nesta roda de sofrimento. Há também tudo aquilo a que nos agarramos para nos sentirmos um pouco mais seguros de nós mesmos, aquilo que nós chamamos de nossas realizações, conquistas, “sensações gratificantes” e coisas que nos dão um sentido de viver.
Será que são essas coisas os alicerces de nossa prisão?
Cada um que tire suas conclusões, mas, ao que parece, estamos viciados num estilo de vida insustentável e não sabemos como parar.Aliás, você poderia me informar onde é que fica os “Humanos Anônimos”?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Segredo de Quem Somos Nós

Ano passado o filme “Quem somos nós” fez enorme sucesso entre pessoas que conheço e no público em geral.
Na época, muitos ficaram bastante excitados com o fato de um filme como este estar em cartaz nos cinemas. Quando uma amiga me perguntou se tinha gostado do filme, respondi que achei esquisito o tipo de mensagem que se buscava passar através de estudos científicos da física quântica e da neurociência aliados a espiritualidade. Achei que eles forçavam um pouco a barra para tentar corroborar uma visão espiritual. E quando fui pesquisar na internet “quem eram eles” (pois, durante o filme não se sabe quem está falando), vi que não estava enganado quanto a uma possível confusão pseudo-científica espiritual.
Quando “Quem somos nós” foi lançado alguns membros da comunidade científica mundial afirmaram: “O filme é um atentado contra a ciência. É obviamente falho e completamente sem dados. Estou particularmente preocupado com a cena em que a protagonista lança longe seus remédios. Esta idéia ‘new-age’, de que o pensamento positivo pode substituir a medicina é especialmente perigosa”, diz Raj Persaud, psiquiatra no Maudsley Hospital em Londres. Tim Evans, da Universidade de Londres, disse que “O filme é perigoso porque explora o desejo genuíno das pessoas em entender as grandes questões da vida e dá às respostas uma falsa aparência científica”. (The Guardian)
Recentemente outro filme com o mesmo teor apareceu nas telas dos cinemas, sendo até capa da revista Veja. “O Segredo” é como um “Quem somos nós II”, trazendo, ao meu ver, além de uma deturpação científica, uma deturpação filosófica com citações de filósofos, cientistas e mestres espirituais fora do seu contexto, forçando, mais uma vez, a barra para provar o tipo de espiritualidade proposta pelos produtores do filme.
Acho delicado abordar esta questão porque lida com as crenças das pessoas e além do mais, “quem sou eu”? Mas, chegou em minhas mãos um texto de Ken Wilber, respeitado filósofo, cientista e místico, falando sobre o filme “Quem somos nós” que serve como um ponto de vista a ser refletido sobre estes filmes que misturam ciência, filosofia e espiritualidade.
Wilber é considerado no meio acadêmico mundial o “Einstein da Consciência” por sua síntese das tradições psicológicas, filosóficas e espirituais do Oriente e do Ocidente.
Se vocês desejarem ler (em inglês) a matéria do The Guardian na íntegra, entre na página da internet:
http://www.guardian.co.uk/life/science/story/0,12996,1484799,00.html
Se desejarem saber mais das idéias de Ken Wilber entre no site: http://www.ariray.com.br
E se desejarem ver estes filmes, eu desejo boa sorte em suas reflexões.
E deixo vocês agora com Wilber e sua crítica.
Alexandre Saioro

Crítica de Ken Wilber
(Excerto do livro Integral Spirituality)
tradução: Ari Raynsford
“O surpreendente sucesso desse filme independente mostra simplesmente como as pessoas estão necessitadas de algum tipo de validação para uma visão-de-mundo mais espiritual e mística. Mas os problemas com ele são tão grandes, a ponto de ser difícil saber por onde começar. What the Bleep (Quem somos nós?) foi montado a partir de uma série de entrevistas com físicos e místicos, todos fazendo afirmações ontológicas sobre a natureza da realidade e sobre o fato que – sim, adivinhe – “você cria sua própria realidade”. Mas você não cria sua própria realidade; quem faz isto são os psicóticos. Há no mínimo seis importantes escolas de física moderna e nenhuma delas concorda com as afirmações genéricas e radicais apresentadas no filme.
Nenhuma escola de física acredita que um ser humano possa colapsar a equação da onda de Schroedinger em 100% dos átomos de um objeto de modo a “trazê-lo” para a existência. A física é simplesmente terrível nesse filme, e o misticismo não fica atrás, sendo aquele de uma pessoa (“Ramtha”) que afirma ser um guerreiro de trinta e cinco mil anos de idade proveniente da Atlântida. Nenhum dos entrevistados é identificado enquanto fala, pois o filme deseja passar a impressão de que todos são cientistas muito conhecidos e respeitados. O resultado líquido é um misticismo new age (do tipo “seu ego está encarregado de tudo”) com uma física deplorável (tudo numa forma de mingau Paradigma-415; mesmo SE uma mente humana fosse necessária para “trazer” para a existência um objeto – e até David Bohm discorda dessa idéia fosfórica! – mas mesmo se, o ponto seria que essa Grande Mente estaria “trazendo” para a existência TODA a manifestação momento a momento – não apenas trazendo seletivamente para a existência uma coisa em vez de outra, tal como um carro novo, um emprego ou uma promoção – que é exatamente o que o filme afirma; novamente, isso é filosofia do sujeito sob o efeito de esteróides, também conhecida como boomerite).
Física ruim e misticismo fosfórico: as pessoas estão famintas desse tipo de coisa; Deus as abençoe.
Entre o modernismo (e o materialismo científico) e o pós-modernismo (e a negação da profundidade), não sobra nada para alimentar a alma; assim, What the Bleep (Quem somos nos?) teria de ser recebido com um reconhecimento febril. Desculpe-me por ser tão severo com ele, já que, sem dúvida, as intenções são decentes; mas é exatamente esse tipo de bobagem que gera uma inacreditável má fama para o misticismo e a espiritualidade entre os cientistas reais, todos pós-modernistas, e entre as pessoas que conseguem ler sem mover os lábios.”