domingo, 31 de maio de 2009

A LIBERDADE DE UMA VIDA SEM FUTURO

Por Alexandre Saioro

Falar de uma vida sem futuro pode não soar bem, pois usamos este termo “sem futuro” para falar de coisas que não terão uma continuidade, e quando relacionamos isso com a vida isso significa morte. E nós temos um grande problema em falar de morte, apesar de sabermos que ela pode acontecer a qualquer momento. Esta incerteza da existência que nos ronda constantemente pode parecer algo muito perturbador, mas se nos aventurarmos a contemplar este fato inexorável, podemos descobrir uma profunda liberdade.
Morte, vida e tempo estão profundamente relacionados.
Vivemos completamente imersos no tempo. O tempo é para nós o que a água é para os peixes. Sem a experiência do tempo parecemos não existir. Pois o que sou eu sem o meu passado e sem um futuro? E o que sou no presente senão o que tento preservar do meu passado e busco realizar no futuro?
Desta perspectiva eu só me sinto existindo se eu fui alguma coisa no passado e me vejo sendo alguma coisa no futuro. Nosso conhecimento intelectual e emocional está atrelado a esta noção da vida, nossas experiências passadas e expectativas futuras. E quase imperceptível, espremido e sufocado entre estes dois potentes e repressores conceitos, está o momento presente com todo o seu frescor, perfeição e inteligência. Ou seja, a única realidade que temos, o agora, não existe em nossa mente aferrada ao passado e embriagada pelo futuro.
Olhando para este panorama não é difícil entender porque criamos tanto sofrimento em nossas vidas. Nos apegamos a um corpo que nos faz sentir separados de todo o resto, aprendemos a identificar este corpo com um nome e, assim, criamos um personagem que desenvolve uma estória no mundo a partir de experiências emocionais e mentais, nos identificamos com isso tudo e passamos o resto da vida ocupados em duas atividades completamente fúteis: preservar e evoluir uma existência viciada em passado e futuro.
Esta alucinação temporal nos tira qualquer possibilidade de nos ver vivendo de outra forma, pois outra possibilidade disso só é percebido como morte. Mas a vida não é esta ilusão que criamos, por isso temos que trabalhar duro para reprimir tudo aquilo que se manifesta ameaçando a nossa percepção ilusória, ou seja, vivemos para reprimir a vida que pulsa constantemente contra nossa percepção de tempo psicológico.
Assim como poderíamos dizer para os peixes que o mundo é muito mais do que oceanos, rios e lagos, poderíamos dizer para nós mesmos que a vida é muito mais do que a vida no tempo. Eu já vi algumas espécies de peixes que se aventuram ficar fora da água, são raros, mas existem. Eu também já conheci alguns homens que se aventuram viver fora do tempo, estes também são raros. Mas esta é uma realidade que não tem chance de ser vislumbrada por aquele que luta desesperadamente para sobreviver no tempo. Para isso temos que perder o medo de nos ver sem futuro, aprender a relaxar a mente no momento presente e ver a ilusão do eu. O que seria o eu sem passado e sem futuro?
O tempo é a matéria prima do nosso mundo ilusório com sua idéia de preservação e evolução. Quando conseguimos estabelecer as condições para nos sentirmos preservados, esta falsa sensação de segurança nos dá um certo descanso para seguirmos em frente, queremos “evoluir”. É assim que, embriagados pelos nossos planos, nos tornamos completamente estúpidos e pensamos que estamos indo para algum lugar. Mas, na verdade, o único lugar para onde estamos indo é exatamente aquele que estamos o tempo todo tentando evitar: a morte. É desta forma que fazemos da vida uma luta incessante.
É tão irônico. Vivemos obcecados por nos identificar e manter coisas que nos afastem da morte como um corpo, uma personalidade, emoções, idéias, uma carreira, um relacionamento etc., mas são estas mesmas coisas que quando terminam (e elas sempre terminam) nos faz ter a sensação de morte. Mas o que é que morre?
Como diz Alan Wallace:
“O que não é dependente do corpo não pode morrer. Aquilo a que o Buda se refere como “sem morte” é a consciência pura - ampla, vívida e atenta, sem se agarrar ou se identificar -, a conscientização livre da identificação com o corpo e que observa as sensações surgirem e passarem, que observa os eventos mentais e os sentimentos, que observa todos os fenômenos surgindo e passando no espaço como nuvens que se dissolvem no céu. Se eu não estou identificado com este corpo, com as memórias, desejos ou sentimentos, quem morre?”
Alan Wallace “Budismo com Atitude” - Ed. Nova Era
Ao respondermos esta pergunta, talvez compreendamos o que é viver momento a momento com todas as possibilidades, vida e morte unidos, nos vendo em tudo e todos. Pois somos aquele momento com tudo e todos, nada fica de fora. E aí, sendo tudo e todos, em todos os tempos que nada mais é do que o atemporal, podemos confiar no agora e livres viver uma vida sem futuro.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com


E-mail: alexsaioro@hotmail.com