quinta-feira, 12 de junho de 2008

A sabedoria do jardim de infância

Será que precisamos percorrer um longo caminho de sofrimento, pretensões e frustrações para perceber que a vida é antes de tudo uma deliciosa e absurda aventura? Será que é necessário o tempo de uma vida inteira para compreendermos a essência simples e bem-humorada de tudo que vivemos?
Talvez nem uma vida seja suficiente para isso. Temos grande chance de chegar no momento de nossa morte sem saber realmente o que é ter vivido.
Creio que se não ficássemos nos debatendo com os acontecimentos da vida, tornando as coisas tão sérias e cheias de importância perceberíamos o bom humor contido em tudo. Quantas vezes você já riu de coisas passadas que na época o deixou profundamente irritado, nervoso, magoado ou temeroso?
Enquanto estamos envolvidos em uma experiência, a vemos como algo extremamente importante, mas a partir do momento em que ela passa, ou melhor, que a deixamos passar, podemos começar a vê-la de uma outra perspectiva com outras nuances; talvez mais natural, é esta a palavra. Se pudéssemos ver nossas experiências de vida de uma forma mais simples e natural talvez não sofrêssemos tanto. Mas fica difícil vermos as coisas naturalmente enquanto criamos inúmeros artifícios para nos esquivar de uma constante insegurança sobre o que somos realmente.
Se observarmos bem nossa vida é toda motivada por uma necessidade de confirmação do que nós somos, seja por nós mesmos ou pelos outros. Movidos por esta necessidade não há outra coisa que possamos colher que não seja mais insegurança. Diante disso, nossas estratégias de defesa se tornam tão sofisticadas que mesmo quando achamos que estamos realizando algo de forma pura e desinteressada, podemos nos surpreender ao nos vermos irritados ou deprimidos quando não somos reconhecidos ou somos criticados no que fazemos.
Vivemos sob a incrível ilusão de uma cultura que nos mostra modos de vida cada vez mais complicados e confusos ao focar a nossa existência na satisfação desta necessidade de reconhecimento e perpetuação da imagem de um eu. Neste mundo, apesar de mostrarem as coisas muito coloridas e divertidas no marketing da vida, tudo nos é passado como muito sério, algo que você precisa conquistar, senão você não é ninguém. O alimento é sério, o sexo é sério, o trabalho, a diversão e o lazer é tudo muito sério. A grande ironia é que tudo isso que se pode conquistar para se sentir sendo alguma coisa acaba uma hora. Mas não tem problema. Nós sempre vamos em busca de novas conquistas e assim nos mantemos ocupados por toda a vida, até que um dia nos vemos diante da morte e aí, o que realmente importa?
Às vezes, mesmo percebendo todo este jogo, nós continuamos buscando em algum nível de existência uma realização que você imagina existir. E se você não cosegue sair da cilada disso tudo você acaba se tornando escravo de si mesmo, das suas idéias, onde na melhor das hipóteses você se torna um filósofo e na pior um filósofo que gosta de levar vantagem em tudo, certo?
Certa vez, li o seguinte trecho de um livro de um místico americano chamado Da Free John: "A vida é completamente absurda. Enquanto você está vivo, tudo parece importante. Até o desespero é importante, o reconhecimento de que alguma coisa importante para você não aconteceu. Assim, a vida, enquanto você a vive, é cheia de importâncias. Por outro lado, todo o universo conspira para fazê-lo ceder o que parece importante, pois tudo no universo chega ao fim. Toda experiência está conspirando para fazê-lo transcender a experiência, exigindo, ao mesmo tempo, que você consume a experiência". Não conheço este Da Free John, mas gostei deste trecho.
Cada experiência que temos contém a mensagem última da necessidade da transcendência da experiência, pois tudo tem um começo, um meio e um fim. Sabemos que por mais prazerosa ou dolorosa que seja qualquer experiência, ela acabará, mas impulsivamente nós a seguramos. E seja qual for o tipo de auto satisfação que se busca manter ou de auto realização que se busca alcançar, tudo isso tem o suporte de um sentimento que muitos acham que é importante termos, mas que creio ser o mais terrível veneno que corrompe a nossa capacidade de ser feliz: o orgulho.
O orgulho é o grande muro que erguemos para nos defender daquilo que é o mais eficaz remédio que a vida nos confronta a toda hora para nos tirar do nosso delírio de auto importância. Que remédio é esse? A humilhação. A humilhação nos traz a negação, o fim e a morte que pode nos despertar para a realidade das coisas. Muitas vezes (ou seria sempre?) é ela que nos mostra que não somos o centro do universo e que devemos ser vulneráveis e atentos à vida e ao outro, fazer amizade com nosso não-eu vermos o que realmente tem importância. E, por incrível que pareça, nós aprendemos esta lição desde pequenos, como descreve tão bem o escritor Robert Fulghum:
"Grande parte do que eu realmente precisava saber a respeito da vida, de como viver, do que fazer e de como ser, aprendi no jardim de infância. A sabedoria não estava no cume da montanha da faculdade, mas ali na caixa de areia da escola maternal. Essas são as coisas que aprendi; compartilhe tudo, seja leal; não magoe as pessoas; recoloque as coisas no lugar onde as encontrou; limpe aquilo que sujar; não pegue o que não for seu; peça desculpa quando machucar alguém; lave as mãos antes de comer...
Biscoitos quentes e leite frio são bons para você; leve uma vida equilibrada; aprenda um pouco, pense um pouco, desenhe, pinte, cante, dance, brinque e trabalhe um pouco a cada dia; tire uma soneca todas as tardes; quando sair para o mundo, fique atento no trânsito; dê as mãos e mantenha-se unido, perceba a maravilha...
Pense como o mundo seria melhor se todos nós – o mundo inteiro – tivesse biscoito e leite por volta das três horas de todas as tardes e depois deitasse com suas mantas para tirar um cochilo, ou se tivéssemos uma política básica em nossa nação e em outras nações de sempre recolocar as coisas no lugar onde as encontraram e limpássemos as sujeiras que fizéssemos. E isto continua a ser verdade, não importa a idade: quando sair para o mundo, é melhor dar as mãos e manter-se unido".
ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog
E-mail: alexsaioro@hotmail.com

Na Busca da Felicidade: persuadir o cérebro a tender para a esquerda

por Daniel Goleman
publicado no New York Times,em 04/02/2003
Tradução para o portugês por Tenzin Namdrol

Há anos, ainda aluno de pós-graduação, fiz uma pesquisa sobre o potencial da meditação como antídoto nos casos de estresse. Os professores não acreditavam na proposta, os parâmetros eram difusos e quase todos os participantes da pesquisa eram alunos do segundo ano da faculdade. Não é de espantar que os resultados não fossem conclusivos.
Mas hoje, estou vingado.
É certo que, ao longo dos anos, foram feitos muitos estudos sobre a meditação, alguns considerando o poder da meditação de aliviar os efeitos adversos do estresse. Mas só no mês passado encontrei um estudo conclusivo que aventa a hipótese, então vacilante, que apresentara e que demonstrava como os mecanismos cerebrais confirmam o curioso potencial da meditação de tranqüilizar.
A informação vem de um dos muitos frutos de uma improvável colaboração em pesquisa: o Dalai Lama, líder tibetano religioso e político em exílio, com alguns dos mais destacados psicólogos e neurocientistas dos EE.UU. Encontraram-se em março 2000, em Dharamsala, na Índia, durante cinco dias, para estudar a melhor forma de gerir nossas emoções negativas.
Um de meus heróis pessoais neste encontro entre a ciência moderna e a velha sabedoria é o Dr. Richard Davidson, diretor do Laboratório de Neurociência Afetiva da Universidade de Wisconsin. Numa pesquisa recente, o Dr. Davidson, usando MRI funcional e análise EEG, estabeleceu um índice para uma série de pontos no cérebro para as oscilações de humor.
As imagens do MRI funcional demonstram que, quando estamos emocionalmente perturbados—ansiosos, irados ou deprimidos—a série de pontos de maior atividade no cérebro são os circuitos que convergem na amígdala, que compreende parte dos centros emocionais do cérebro, e o córtex pré-frontal direito, uma importante região do cérebro durante a hiper vigilância típica em quem sofre de estresse.
Inversamente, quando a atitude é positiva—otimista, entusiástica e enérgica—estes pontos estão tranqüilos, sendo que a atividade dominante se encontra no córtex pré-frontal esquerdo.
Na verdade, o Dr. Davidson descobriu o que pensa ser uma forma eficaz de indexar a amplitude de humor típica de uma pessoa através da leitura dos níveis de base de atividade nas áreas pré-frontais direita e esquerda. Os indicadores podem antecipar as oscilações de humor diárias com surpreendente precisão. Quanto mais tendem para a direita maior será a possibilidade da pessoa estar triste e angustiada, enquanto que, quanto mais tendem para a esquerda, de estar mais feliz e otimista.
Através da observação de centenas de pessoas, o Dr. Davidson elaborou uma curva de sino, sendo que a maioria das pessoas se encontra distribuída pelo meio, com um misto de bom e de mau humor. As poucas pessoas na extrema direita da curva têm mais probabilidades de passar por uma depressão clinica ou ansiedade patológica no decurso de suas vidas. Para os felizardos na extrema esquerda da curva, as perturbações de humor serão raras e a recuperação rápida.
O exposto pode explicar outros dados que conduzem a uma série de pontos biológicos específicos para a gama de humores. Por exemplo, uma das observações mostra que tanto para as pessoas que têm a sorte de ganhar na loteria quanto para as infelizes que perdem os movimentos dos membros após um acidente, um ano após os portentosos acontecimentos, seus estados de humor cotidianos voltam a ser o que tinham sido, indicando que a série de pontos emocionais oscila pouco ou nada.
Por sorte, o Dr. Davidson teve a oportunidade de observar as tendências de esquerda/direita de um velho lama tibetano que tinha os indicadores esquerdos mais extremos de um grupo de 175 pessoas observadas até então.
O Dr. Davidson comunicou os resultados excepcionais deste estudo durante a reunião do Dalai Lama com os cientistas na Índia. Os resultados, ainda que interessantes, suscitaram mais perguntas ainda do que respostas.
Teria sido uma aberração, ou um traço comum a todos os monges? Poderia estar associado à formação de lamas—no budismo tibetano um sacerdote ou mestre espiritual—que possam mover a série de pontos para a amplitude da felicidade perpétua? Assim sendo, comentou o Dalai Lama, será que o fenômeno pode ser extraído do contexto religioso para ser divulgado e beneficiar qualquer um?
Uma resposta tentativa para a última pergunta surgiu do estudo que o Dr. Davidson levou a cabo em colaboração com o Dr. Jon Kabat-Zinn, fundador da Clínica de Diminuição do Estresse Através na Plena Atenção da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts, em Worcester.
A clínica ensina a meditação da plena atenção a pacientes com qualquer tipo enfermidade crônica, para que possam melhor lidar com os sintomas. Num artigo a ser divulgado numa publicação de seus pares, Medicina Psicossomática, os Drs. Davidson e Kabat-Zinn comunicam os resultados da prática da meditação da plena atenção, um método que tem a sua origem no budismo e é transmitido amplamente para pacientes em hospitais e clínicas através dos EEUU e em muitos outros países.
Durante aproximadamente três horas por semana num período de dois meses, o Dr. Kabat-Zinn ensinou as técnicas de meditação da plena atenção ao pessoal de uma empresa de biotecnologia que trabalha com altos níveis de estresse. Para efeitos de comparação um grupo de voluntários da companhia recebeu um treinamento posterior; ainda que, como os participantes, foram testados antes e depois do treinamento pelo Dr. Davidson e seus colegas.
Os resultados são encorajadores para principiantes que não têm a intenção de dedicar o tempo que requer o treinamento de lamas. No início do treinamento na meditação da plena atenção, os empregados tendiam em média para a direita na razão da série de pontos emocionais, enquanto se queixavam de um alto nível de estresse. Contudo, depois do treino, em média, a razão das suas emoções oscilou para a esquerda, para uma zona positiva. Simultaneamente, sentiram uma melhora de humor, de empenho no trabalho, mais energia e menos ansiedade.
Resumindo, os resultados indicam que, com o treinamento, o ponto da série de emoções pode oscilar. Mantendo-se na plena atenção podem observar seus humores e pensamentos e afastar os que possam leva-los ao vórtex da angústia. O Dr. Davidson crê que a meditação pode fortalecer um sem número de neurônios no córtex pré-frontal esquerdo que inibe as mensagens que partem da amígdala e governam as emoções perturbadoras.
Outro proveito para os empregados, anunciou o Dr. Davidson, é que a plena atenção parece fortalecer o sistema imune medido pela quantidade de anticorpos da gripe no sangue após terem sido inoculados com o vírus da gripe.
Segundo o Dr. Davidson, outros estudos indicam que se os componentes de dois grupos de amostragem são expostos ao vírus da gripe, os sintomas dos que aprenderam a técnica da plena atenção serão atenuados. Quanto mais o ponto emocional oscila para a esquerda, maior a imunidade.
O treinamento na meditação da plena atenção é feito com o objetivo de ensinar a vigiar de perto as seqüências de sensações e pensamentos, como exercícios de ioga, tanto durante a meditação sentada quanto em atividade.
Hoje, com a benção do Dalai Lama, uns poucos lamas altamente realizados estão sendo estudados. Todos passaram pelo menos três anos em retiro solitário, prática que os coloca ao mesmo nível de exímios adeptos em outros ramos, como mergulhadores olímpicos e violinistas virtuosos.
O efeito que este treinamento intensivo da mente tem sobre a capacidade do homem foi demonstrado nos estudos preliminares levados a cabo em outros laboratórios. Algumas das informações mais interessantes foram apresentadas por outro cientista, o Dr. Paul Ekman, diretor do Laboratório de Interação Humana na Universidade da Califórnia em São Francisco, que estuda o efeito das emoções sobre as expressões faciais. Dr. Ekman também participou dos cinco dias de diálogos com o Dalai Lama.
O Dr. Ekman desenvolveu uma medição que indica a capacidade uma pessoa para ler os humores de outra, telegrafados em leves e rápidas mudanças de expressões faciais.
Como o Dr. Ekman descreve em "Emoções Reveladas" para distribuição em abril pela editora Times Book, estas micro-expressões — atividades faciais ultra-rápidas, algumas de apenas 1/20 de segundo — revelam nossos sentimentos mais recônditos. Não estamos conscientes deles; mas passam espontâneos e involuntários pela nossa fisionomia revelando, sem qualquer censura, nossas emoções para quem as possa ler.
Felizmente talvez, tem um senão: quase ninguém consegue ler estas expressões. Ainda que o livro do Dr. Ekman explique como, em poucas horas de aprendizado, detectar estas expressões, a pesquisa indica que, com treinamento adequando, a maior parte — incluindo juízes, policiais e psicoterapeutas — não está mais apta a ler as micro-expressões do que quando as respostas são dadas ao acaso.
Contudo, quando o Dr. Ekman trouxe para o laboratório dois praticantes tibetanos, um teve resultado perfeito lendo corretamente três das seis emoções do teste e o outro também teve resultado perfeito lendo quatro das seis emoções. Um professor americano de meditação budista obteve resultado perfeito nos seis, considerado uma raridade. Em geral, com respostas ao acaso se acerta uma em seis.
Estes resultados, associados aos pedidos do Dalai Lama, inspiraram o Dr. Ekman a criar um programa chamado "Cultivando o Equilíbrio Emocional" que associa, de forma sinergética, métodos budistas como o da meditação da plena atenção com treinamento da psicologia moderna, como a leitura das micro-expressões, e busca proporcionar um melhor gerenciamento de emoções e relacionamentos.
No mês passado teve início um projeto piloto com professores primários na região da Baía de São Francisco, sob a direção da Dra. Margaret Kemeny, professora de medicina comportamental da Universidade da Califórnia em São Francisco. Ela espera poder replicar as observações do Dr. Davidson sobre os efeitos da plena atenção no sistema imune e também acrescentar outras medidas de capacitação emocional e social, numa experiência controlada com 120 enfermeiros e professores.
Para terminar, a inércia da ciência nestas explorações preliminares suscitou a curiosidade de investigadores. Sob a égide do Instituto da Mente e da Vida, que organiza uma série contínua de reuniões entre o Dalai Lama e cientistas, terá lugar a 13 e 14 de setembro, uma série de encontros no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Nesta ocasião o Dalai Lama se encontrará com um grupo mais numeroso de pesquisadores com o fito de incluir outras possibilidades de pesquisa.
Ainda que abertas ao público, metade da capacidade do auditório está reservada para os alunos graduados dos pesquisadores acadêmicos. (para mais informação procure
http://www.investigatingthemind.org/)
Quanto a mim, levo isto a peito. Meditante bissexto desde o tempo de faculdade, considero-me hoje um sério praticante. No próximo mês, parto em retiro com a minha esposa para, num clima ameno, meditarmos durante três semanas. Posso nunca chegar às realizações do sublime lama, mas vai ser divertido ir tentando.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Sem apreciação, não tem solução

Há (e sempre houve) um problema. Um problema que a cada instante vem se tornando cada vez maior na medida em que a ignorância disfarçada de inteligência vem buscando soluções paliativas que nada resolvem realmente.
Talvez este problema seja o pecado original que é cometido em cada momento de nossa vida, dominada pelo conhecimento condicionado por um sentimento conflituoso que nos faz temer e esperar algo melhor ou pior do que é o agora. E, assim, consumimos nossa preciosa vida em intermináveis repetições desta busca/fuga numa prisão cíclica imposta somente por nós mesmos.
Em outras palavras, podemos dizer que a raiz de nossos problemas é nossa falta de apreciação.
Por exemplo, você consegue parar e apreciar o agora? Sim, agora, do jeito que as coisas estão, sem mudar nada. Não importa o que esteja acontecendo ou o que possa acontecer ou aconteceu. Consegue?
Se não consegue este é o problema, ou melhor, a causa de todos os seus problemas, inclusive do aquecimento global.
Quando digo apreciação, não é no sentido de análise ou julgamento. Aliás isso nós temos até demais. A apreciação que nos falta é o puro olhar, aberto e receptivo que nos faz valorizar o que quer que esteja acontecendo.
Para termos tal apreciação é preciso parar com o nosso vício em selecionar as coisas em desejáveis e não desejáveis e descobrir o que é bom em cada momento. Mas isso só é possível se deixarmos as nossas idéias concebidas do que é bom ou ruim. E para a maioria de nós isso é loucura.
Quando falei do pecado original no início do texto eu me referia a como estamos comendo a fruta da árvore do conhecimento e julgando o bem e o mal a cada instante. É desta forma que a todo momento nos afastamos da capacidade de percebermos a perfeição e pureza do agora. Esta forma de percepção equivocada se tornou um vício a tal ponto de não vermos outra forma de viver.
Mas creio que podemos e devemos recuperar a lucidez perdida. Este tem sido o papel da espiritualidade humana ao longo dos tempos. E o que se vê hoje é que a necessidade de se recuperar esta lucidez não é mais um luxo religioso. Hoje se tornou, ao meu ver, o fator principal da sobrevivência da humanidade.
Hoje as consequências da percepção distorcida da realidade ganhou um poder tão grande que já ameaça a existência da vida no planeta. Nossa doentia busca por satisfação está nos matando.
Mas o que seria esta lucidez? O que é a mesma coisa que perguntar: Como encontar a paz?
Acredito que a resposta está no exercício da apreciação. E poderíamos traçar um roteiro deste exercício numa sequência em que nos dispuséssemos a olhar, contemplar e amar.
Primeiramente, olhar. Antes de rejeitar ou desejar, olhe. Dê espaço. Isso diz respeito a não cair na armadilha da reação, do condicionamento e do preconceito. Olhe aberto. Este primeiro passo é importantíssimo e requer uma boa dose de destemor e de ousadia. Sem isso não tem como irmos em frente. Isto porque estamos o tempo todo nos relacionando com as coisas partindo de uma insegurança que trazemos conosco desde o momento em que nos percebemos como "eu". E para ver de outra forma é preciso desafiar este olhar inseguro e descobrir o que é contemplar.
Avançando neste desafio, podemos contemplar, permitir que o outro se manifeste e permitir que nos comuniquemos com o que está se manifestando. Através desta comunicação destemida podemos ver as qualidades que se apresentam no momento, sem julgamento. Desta forma, podemos apreciar a energia que está presente. A energia é isenta de bem ou mal, de gosto e não gosto, de quero e não quero. É pura.
Ao nos familiarizarmos cada vez mais com esta nova forma de comunicação ganhamos confiança, o que nos permite relaxar diante das situações e vê-las com clareza e precisão. Nisso tudo há uma inteligência tremenda se desenvolvendo e é dela que é possível verdadeiramente apreciar o momento. E é desta apreciação que é possível amar.
Este amor é a raiz de nossa felicidade, pois não é uma amor que deseja ou rejeita, é apenas o amor que reconhece a perfeição do momento. Podemos dizer que esta felicidade é sinônimo de liberdade. Liberdade para estarmos onde estivermos sem a necessidade de mudar, acrescentar ou retirar algo. Ou seja, apreciar o agora. E nessa situação não há problemas.
Não sei se vocês concordam comigo, mas creio que esta apreciação é a real solução para o aquecimento global. Porque se aprendermos a apreciar o que temos em cada momento, mais satisfeitos estaremos com nossas vidas. E se estamos satisfeitos não temos tanta cobiça por coisas ou experiências. Nossa vida se torna muito mais simples. Não precisamos consumir tantas coisas e desejar sempre coisas novas ou fazer tantas coisas para sentirmos um pouco de felicidade passageira. Desta forma, usaremos menos recursos naturais, não levando a exaustão o equilíbrio ecológico do planeta.
Ao meu ver, não adianta muito promover reciclagem, novos materiais ou combustíveis para satisfazer nossas mentes equivocadas e movimentar este pernicioso sistema de vida que a sociedade moderna vem desenvolvendo. Pois, se não aprendermos a olhar, contemplar e amar o nosso momento presente, estaremos ainda condenados a prisão perpétua da eterna insatisfação que exige sempre mais alguma coisa para, ilusoriamente, nos sentirmos bem. Este é o verdadeiro problema: nossas mentes. Nossas mentes em conflito, em insatisfação, sempre com novas idéias sobre coisas que são importantes, mas que no final se tornam tediosas e sem atrativos. O problema não está no sistema vigente, no consumismo, nos governos, pois nada disso existiria se nossas mentes não perpetuassem o círculo viciosos de nossa visão equivocada.
E a grande notícia é que o mundo não precisa mudar para você mudar esta visão equivocada. A liberdade disso tudo só depende de você. Do seu destemor e ousadia em achar um caminho para aprender a olhar, contemplar e amar.
Então, finalmente, não importa o que esteja acontecendo, você poderá apreciar a vida e saber que sempre tudo esteve bem.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

A Virtude da Solidão

A solidão para muitos é um terrível mal. Para outros, algo que se pode suportar com algumas distrações. Poucos conseguem extrair da solidão algo que os enriquecem. Alguns escolhem momentos de solidão para descansar, refletir ou buscar um equilíbrio em suas vidas. Mas e quando não escolhemos a solidão?
Se pensarmos bem veremos que com relação a solidão nós não temos escolha. Na verdade, a solidão é inerente a nossa existência. Você já parou para pensar que ninguém nunca saberá realmente o que é ser o que somos? Que por mais que nos sintamos ligados a alguém, nós também nunca saberemos o que esta pessoa é ?
Mesmo assim, nós fazemos de tudo para não nos sentirmos sós. Mas, o que não percebemos é que estamos sempre sós e a nossa vã tentativa de fugir desta solidão básica com nossas distrações apenas nos faz sofrer. E enquanto continuarmos fugindo da solidão não vamos descobrir o que ela é, e o que nós somos. Você já experimentou ficar parado alguns minutos sem buscar uma distração? Já experimentou ficar em casa sozinho sem ligar a televisão, colocar um cd para escutar ou pegar alguma coisa para ler, e apenas ficar consigo mesmo?
Parece que temos que ter uma tremenda coragem para dar um tempo nas tantas atrações e distrações da vida cotidiana e ficarmos mais receptivos ao que se passa em nosso interior. Uma coisa que não ajuda muito também é a nossa sociedade de consumo com seus ininterruptos estímulos para que nos sintamos insatisfeitos ou achando que podemos ser muito mais do que somos; o que, no final, é a mesma coisa. Atualmente, ficar contente com o que apenas se é é quase um ato subversivo; uma grande ameaça para a economia e o crescimento do país. Somos estimulados a buscar e agregar sempre novos elementos para nossa felicidade, pois o que temos nunca é suficiente. O que não vemos neste processo é que vamos destruindo a nossa capacidade de apreciação, nos tornando, na verdade, cada vez mais miseráveis. Uma das formas que vejo para saírmos deste esquema empobrecedor é descobrir a virtude da solidão. Quando exploramos e nos aprofundamos em nossa solidão básica, podemos começar a expandir o nosso sentido de participação e apreciação. Tornamo-nos mais sensíveis a pequenas coisas que antes nos passariam despercebidas. E estas “pequenas coisas” nos mostram o quanto podemos apreciar a vida em cada detalhe e em sua totalidade.
A virtude da solidão está em termos a oportunidade de olharmos nossa experiência como ela é sem querer nos esquivar com subterfúgios e sem tentar manipular situações e pessoas segundo nossas tendências habituais e falsas necessidades . Podemos, então perceber um sentido de vida mais abrangente semelhante ao do primeiro homem descrito por Laurens Van der Post em “Patterns of Renewall”:
“O primeiro homem vivia numa intimidade extraordinária com a natureza. Não havia lugar algum de que ele não se sentisse parte. Não tinha... nada desse sentido medonho de não pertencer, de isolamento, de inexpressividade, que tanto devasta o coração dos homens modernos. Aonde quer que fosse, ele pertencia ao lugar e, o que era mais importante, aonde quer que fosse, sentia-se conhecido... Conheciam-no as árvores; os animais o conheciam como eles o conhecia; conheciam-no as estrelas. Era tão vívido o seu sentido de relacionamento que ele podia falar do “nosso irmão, o abutre”. Erguia os olhos para as estrelas e falava de “Vovô Sírio”... porque era este o mais alto título honorífico que podia conceder.”
Isso tudo pode parecer muito bonito colocado em palavras, mas nos pede um bocado de trabalho. Pois, teremos que lidar com a maneira que vemos a nós mesmos e ao mundo. Creio que isso diz respeito a duas forças que se realimentam constantemente dentro de nós. Uma é a nossa tendência habitual de nos agarrarmos a alguma coisa que nos dê segurança e confirme nossas ilusórias certezas. E a outra é a força da cultura que criamos para nos proteger da incerteza e insegurança do mundo. Quando digo cultura estou falando de todo o sistema de crenças e valores sejam eles familiares, grupais, nacionais, estéticos, etc.
É a cultura que nos dá uma identidade, um sentido de vida e os elementos que aparentemente nos protegem da dura verdade da morte que espreita tudo a que nos identificamos. Parece que a cultura é uma tentativa de burlar a morte; de confirmar que apesar de tudo somos alguma coisa que permanece mesmo depois da morte. Mas nada na vida permanece e para amenizar esta discordância com a vida, seguimos iludidos pela nossa cultura. Mas esta ilusão restringe cada vez mais nossa capacidade de viver plenamente as coisas como elas são, simplesmente pelo que elas são e não pelo que achamos que elas nos dão.
Você pode achar que eu estou falando que muito do nosso problema está naquilo que tantos se orgulham: a cultura. Mas, se refletirmos um pouco mais veremos que a cultura é fruto da nossa insegurança que é fruto da ignorância sobre nossa realidade. Então, uma real mudança não é uma questão de uma troca de culturas, se bem que podemos ver que algumas são menos doentias do que outras. Toda a cultura têm seus conceitos, crenças e valores. Mas o problema também não está aí. O problema começa quando nos aferramos a isso tudo como “A Verdade”. É aí que perdemos nossa lucidez, perdemos nossa liberdade para nos relacionarmos com o mundo e com as coisas como elas são. Por isso a solidão é tão dolorosa para muitos de nós, porque ela é a perda de algo que nos dava uma identidade e um sentido de vida, mas e é exatamente aí nesta perda que está a oportunidade de alcançar uma liberdade maior. Na busca por uma identidade almejamos congelar a realidade, mas a realidade é mudança, fluidez, e nós somos isso também, só que vivemos querendo ignorar este fato, daí nosso sofrimento. Somos como um cubo de gelo num lago que se recusa em derreter.
Reservar momentos de solidão pode ser uma forma de parar esta recusa. Nesta solidão, procurar apreciar a riqueza do momento presente é o ponto de partida para travarmos relacionamentos mais saudáveis conosco mesmo e com o mundo. Portanto, reserve alguns minutos ao dia para um encontro com sua solidão básica, ou se puder uma hora ou um dia inteiro; ou, quem sabe, alguns dias, talvez um retiro de um mês. Creio que isso faz muito bem para tornar a solidão uma grande companheira no conhecimento do que nós somos.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
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