terça-feira, 1 de abril de 2008

A Virtude da Solidão

A solidão para muitos é um terrível mal. Para outros, algo que se pode suportar com algumas distrações. Poucos conseguem extrair da solidão algo que os enriquecem. Alguns escolhem momentos de solidão para descansar, refletir ou buscar um equilíbrio em suas vidas. Mas e quando não escolhemos a solidão?
Se pensarmos bem veremos que com relação a solidão nós não temos escolha. Na verdade, a solidão é inerente a nossa existência. Você já parou para pensar que ninguém nunca saberá realmente o que é ser o que somos? Que por mais que nos sintamos ligados a alguém, nós também nunca saberemos o que esta pessoa é ?
Mesmo assim, nós fazemos de tudo para não nos sentirmos sós. Mas, o que não percebemos é que estamos sempre sós e a nossa vã tentativa de fugir desta solidão básica com nossas distrações apenas nos faz sofrer. E enquanto continuarmos fugindo da solidão não vamos descobrir o que ela é, e o que nós somos. Você já experimentou ficar parado alguns minutos sem buscar uma distração? Já experimentou ficar em casa sozinho sem ligar a televisão, colocar um cd para escutar ou pegar alguma coisa para ler, e apenas ficar consigo mesmo?
Parece que temos que ter uma tremenda coragem para dar um tempo nas tantas atrações e distrações da vida cotidiana e ficarmos mais receptivos ao que se passa em nosso interior. Uma coisa que não ajuda muito também é a nossa sociedade de consumo com seus ininterruptos estímulos para que nos sintamos insatisfeitos ou achando que podemos ser muito mais do que somos; o que, no final, é a mesma coisa. Atualmente, ficar contente com o que apenas se é é quase um ato subversivo; uma grande ameaça para a economia e o crescimento do país. Somos estimulados a buscar e agregar sempre novos elementos para nossa felicidade, pois o que temos nunca é suficiente. O que não vemos neste processo é que vamos destruindo a nossa capacidade de apreciação, nos tornando, na verdade, cada vez mais miseráveis. Uma das formas que vejo para saírmos deste esquema empobrecedor é descobrir a virtude da solidão. Quando exploramos e nos aprofundamos em nossa solidão básica, podemos começar a expandir o nosso sentido de participação e apreciação. Tornamo-nos mais sensíveis a pequenas coisas que antes nos passariam despercebidas. E estas “pequenas coisas” nos mostram o quanto podemos apreciar a vida em cada detalhe e em sua totalidade.
A virtude da solidão está em termos a oportunidade de olharmos nossa experiência como ela é sem querer nos esquivar com subterfúgios e sem tentar manipular situações e pessoas segundo nossas tendências habituais e falsas necessidades . Podemos, então perceber um sentido de vida mais abrangente semelhante ao do primeiro homem descrito por Laurens Van der Post em “Patterns of Renewall”:
“O primeiro homem vivia numa intimidade extraordinária com a natureza. Não havia lugar algum de que ele não se sentisse parte. Não tinha... nada desse sentido medonho de não pertencer, de isolamento, de inexpressividade, que tanto devasta o coração dos homens modernos. Aonde quer que fosse, ele pertencia ao lugar e, o que era mais importante, aonde quer que fosse, sentia-se conhecido... Conheciam-no as árvores; os animais o conheciam como eles o conhecia; conheciam-no as estrelas. Era tão vívido o seu sentido de relacionamento que ele podia falar do “nosso irmão, o abutre”. Erguia os olhos para as estrelas e falava de “Vovô Sírio”... porque era este o mais alto título honorífico que podia conceder.”
Isso tudo pode parecer muito bonito colocado em palavras, mas nos pede um bocado de trabalho. Pois, teremos que lidar com a maneira que vemos a nós mesmos e ao mundo. Creio que isso diz respeito a duas forças que se realimentam constantemente dentro de nós. Uma é a nossa tendência habitual de nos agarrarmos a alguma coisa que nos dê segurança e confirme nossas ilusórias certezas. E a outra é a força da cultura que criamos para nos proteger da incerteza e insegurança do mundo. Quando digo cultura estou falando de todo o sistema de crenças e valores sejam eles familiares, grupais, nacionais, estéticos, etc.
É a cultura que nos dá uma identidade, um sentido de vida e os elementos que aparentemente nos protegem da dura verdade da morte que espreita tudo a que nos identificamos. Parece que a cultura é uma tentativa de burlar a morte; de confirmar que apesar de tudo somos alguma coisa que permanece mesmo depois da morte. Mas nada na vida permanece e para amenizar esta discordância com a vida, seguimos iludidos pela nossa cultura. Mas esta ilusão restringe cada vez mais nossa capacidade de viver plenamente as coisas como elas são, simplesmente pelo que elas são e não pelo que achamos que elas nos dão.
Você pode achar que eu estou falando que muito do nosso problema está naquilo que tantos se orgulham: a cultura. Mas, se refletirmos um pouco mais veremos que a cultura é fruto da nossa insegurança que é fruto da ignorância sobre nossa realidade. Então, uma real mudança não é uma questão de uma troca de culturas, se bem que podemos ver que algumas são menos doentias do que outras. Toda a cultura têm seus conceitos, crenças e valores. Mas o problema também não está aí. O problema começa quando nos aferramos a isso tudo como “A Verdade”. É aí que perdemos nossa lucidez, perdemos nossa liberdade para nos relacionarmos com o mundo e com as coisas como elas são. Por isso a solidão é tão dolorosa para muitos de nós, porque ela é a perda de algo que nos dava uma identidade e um sentido de vida, mas e é exatamente aí nesta perda que está a oportunidade de alcançar uma liberdade maior. Na busca por uma identidade almejamos congelar a realidade, mas a realidade é mudança, fluidez, e nós somos isso também, só que vivemos querendo ignorar este fato, daí nosso sofrimento. Somos como um cubo de gelo num lago que se recusa em derreter.
Reservar momentos de solidão pode ser uma forma de parar esta recusa. Nesta solidão, procurar apreciar a riqueza do momento presente é o ponto de partida para travarmos relacionamentos mais saudáveis conosco mesmo e com o mundo. Portanto, reserve alguns minutos ao dia para um encontro com sua solidão básica, ou se puder uma hora ou um dia inteiro; ou, quem sabe, alguns dias, talvez um retiro de um mês. Creio que isso faz muito bem para tornar a solidão uma grande companheira no conhecimento do que nós somos.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até blog http://aartedoestresse.blogspot.com

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

2 comentários:

ANA PIMENTEL disse...

Alex:

Concordo com você plenamente.
Muitas vezes, em palestras, peço que citem algumas caracteristicas próprias e percebo que é muito fácil para todos citarem dificuldades ( tal a nossa crueldade conosco mesmos) - todos embasados nos valores apresentados por essa cultura. Muitos dizem até que desconhem suas qualidades até porque não cultivam a possibilidade de apreciar sua própria companhia.
Na solidão , ficamos a sós com nossos pensamentos, nossas construções ou as várias possibilidades de recriar. E cada vewz mais, ao sairmos do " ovo" estamos mais ricos, mais seguros, mais traquilos e, consequentemente, melhores, na nossa condição humana.

Anônimo disse...

Parabéns Alex! Muito bom o texto.
Solidão, não é estar sozinho...
vai muito além...
É a busca de sí próprio. \o/